Wednesday, December 20, 2006
O Alimento do Graal
No seu quadro " A Virgem do Santo Graal " de 1857, Dante Gabriel Rossetti expõe de forma completa a simbólica da taça da Abundância, espiritual e material, segundo a tradição messiânica de Joachim de Fiore.
O Reino do Graal é o Reino do Espírito Santo, o terceiro reino do mundo, depois dos anteriores que tinham trazido a revelação do deus único, redentor. Neste último reino, do Espírito Santo, se iniciaria a época da abundância, depois de muita carência, não só espiritual, com a degradação dos tempos, como material com as fomes e as pestes que assolavam a Europa.
É no seu LIBER FIGURARUM, o Livro das Figuras, que o visionário descreve o último dos tempos.
A tradição do Graal prende-se a estas visões, não porque os seus autores tenham podido ler o códice, mas porque tais predições corriam, de uma época de abundância em que Deus redimiria o mundo de todo os sofrimentos e injustiças, para sempre, através da manifestação do seu glorioso Espírito.
As doutrinas foram espalhadas sobretudo pelas ordens mendicantes, mais próximas dos pobres e suas necessidades.
Em Portugal, por exemplo, a Rainha Santa Isabel é um dos expoentes da doutrina: veja-se o milagre do pão transformado em rosas;o seu confessor e conselheiro era um padre franciscano.
Já no século XVII veremos o Padre António Vieira pedir, quando preso pela Inquisição em Coimbra, que lhe levassem o Livro das Figuras. Há muita doutrina que ele transpõe para a sua HISTÓRIA DO FUTURO.
E Lessing, no século do Iluminismo, não esquece Joachim de Fiore e o Livro, com a divisão dos três reinos, na sua obra fundamental para o estudo do deísmo alemão, A EDUCAÇÃO DO GÉNERO HUMANO.
Mas recuperemos a fonte, a descrição da cerimónia do Graal, tal como se encontra em Chrétien de Troyes ou em Eschenbach. No primeiro a procissão é descrita de forma breve; entra um jovem com uma lança na mão, branca e esplendorosa, com uma gota de sangue escorrendo pelo fio da lâmina até à sua mão; todos podem contemplar o seu mistério mas Perceval não ousa fazer perguntas, pois tinha sido aconselhado a ser discreto; segue-se depois o graal, nas mãos de uma bela jovem que dois criados antecediam, com lustres de ouro a iluminar a sala; quando ela chegou com o graal, uma enorme claridade se espalhou fazendo empalidecer a luz dos lustres; a seguir a esta jovem entrou outra com uma salva de prata; o graal era de ouro puro, cravejado de pedras preciosas; seguiu-se a lavar ritual das mãos, e a descrição das mesas em que um banquete riquíssimo é servido, enquanto o graal passa várias vezes pelo nosso herói sem que ele pergunte seja o que fôr; a descrição dos alimentos, dos vinohs e das sobremesas do banquete é tão pomenorizada que quase nos faz salivar- algo que acontecia certamente aos que se deliciavam a ouvir Chrétien narrando estas aventuras.
Quanto ao segundo dos autores, Eschenbach, a descrição que nos oferece não é menos significativa: entra primeiro um pagem transportando a lança que sangra; abre-se depois uma porta por onde surgem duas jovens de grande beleza segurando nas mãos candelabros de ouro; seguem-se damas de grande porte e nobreza dispostas em filas de quatro (tendo aqui este número um forte simbolismo, pois representa a perfeição da totalidade);as últimas quatro damas levavam nas mãos uma pedra preciosa que durante o dia o sol penetrava com os seus raios; era uma pedra com reflexos de granada, de grandes dimensões, comprida e larga para servir de tampo de mesa; era nesta mesa que o senhor do castelo era servido;a descrição continua até que chega a rainha, vestida de seda da Arábia e transportando finalmente um objecto "perfeito e ao qual nada faltava", chamado Graal; à roda da mesa onde foi pousado o Graal havia mais de cem outras,com toda a nobreza convidada; procede-se à lavagem das mãos e começa a refeição, constando de vinho em taças de ouro e pão que é trazido da mesa do Graal, juntamente com tudo o que cada hóspede pudesse desejar " comida fria ou quente, podendo repetir à vontade os pratos já comidos, ou pedindo outros novos que não se conhecessem"; haveria de tudo, pois o Graal era "a flor de toda a felicidade; trazia à terra uma tal plenitude de benesses que os seus méritos igualavam ou quase os que se reconhecem como sendo do reino do Céu". Também neste caso a descrição detalhada abre o apetite de quem lê ou quem ouve; tudo era possível de obter pela virtude do Graal.
Alimento físico e espiritual, saciando os desejos do corpo e os sonhos da alma, permitindo a felicidade que o reino do Espírito Santo pela boca dos messianistas vinha prometendo e adiando...
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