Friday, May 16, 2014


Mais Maios

Que mês é este
em que tantos nascem
tantos morrem
e tantos outros
nem uma coisa nem outra
apenas sofrem?

Wednesday, May 14, 2014


Na Morte de Vasco Graça Moura

Morrer é isso:
saber que também nós
teremos um poente
ao fim do dia
e no fim do poema
um ponto final no verso
da nossa vida

(Maio de 2014)

Sunday, May 11, 2014




Maios

São os Maios difíceis
são os Maios da Treva:
levam embora,
não trazem,
a Primavera

Sunday, May 04, 2014

No post anterior, a propósito da poesia juvenil de Fernando Pessoa, falei de um gosto de época.
A grande marca desse gosto, provém, na pintura, do exercício simbolista de um Alphonse Mucha, que surge em Paris a tempo de brilhar na Exposição Universal de 1900, com as sua figuras femininas embrulhadas em tecidos vistosos, coroadas de flores, inaugurando pelo estilo o que viria a chamar-se de Art Nouveau.
Com ele, igualmente importante, Gustav Klimt, inexcedível no brilho oriental dos seus dourados, o luxo da imagem, e num quadro tão celebrado como O Beijo a figuração do mito do andrógino.
Escrevi sobre Mucha na antiga Revista da ColóquioArtes, e sobre Klimt num dos números da Mealibra.
Tudo isto a propósito de Baudelaire, em cuja poesia encontramos por vezes o preciosismo do sonho e da utopia, da Viagem que transcende a  existência, como a do apelo de Mignon ao seu Mentor, em Wilhelm Meister, de Goethe.
Escolhi um poema talvez menos conhecido, "La Géante", um soneto de Spleen et Idéal, para o contraste com "The Giantess/ A Gigante", de Alexander Search, recuperando de novo a tradução de Luísa Freire.
O poema de Baudelaire evoca o tempo primordial da criação, em que a força ainda algo brutal da Natureza, Terra-Mãe, lhe permitiria a volúpia de viver com uma mulher gigante, cujo corpo florisse, tal como a sua alma, e lhe concedesse um sono preguiçoso, embalado à sombra dos seus enormes seios.
Ritmado e sensual, este é um poema de um panteísmo pagão, em que o Feminino é exaltado pelo poeta através deste seu cântico de uma terra antiga e habitada por populações gigantes, de formas moldadas como montanhas.
Deixo ao leitor o trabalho de procurar o poema, enquanto passo agora ao nosso jovem Pessoa.
Ele traça a figura grotesca de uma gigante que lhe desperta o riso porque tenta comer algo de tão grande e informe que não lhe cabe na boca. É visível aquela avidez que o perturba e, não se contendo,  leva a interpelar grosseiramente a gigante, que lhe responde entre lágrimas:

"Esta comida que, de grande, se esgueira
Sempre à minha boca já dorida
É a Beleza una e toda inteira." 

Nenhuma comparação, a não ser pelo título e pela dimensão da criatura descrita, se pode estabelecer aqui, que valha a pena.
Em Baudelaire a avidez é toda sensualidade, e é ânsia dele, poeta, de se fundir na Mãe-Natureza eterna.
Em Search/Pessoa a avidez é transposta para a Gigante, num desejo  de se apossar de uma Beleza que é do Todo e do Uno impossíveis de alcançar.
Mas lá está, continuando a ler Baudelaire, que poema encontramos antes do belo soneto da Gigante? Precisamente o soneto La Beauté que podemos traduzir por Beleza, e em que nos é dito como são puras miragens as visões dos poetas que a julgam possuir, amando--a eternamente.

Je suis belle, ô mortels! comme un rêve de pierre,
Et mon sein, où chacun s'est meurtri tour à tour,
Est fait pour inspirer au poète un amour
Eternel et muet ainsi que la matière.

Je trône dans l'azur comme un sphinx incompris;
J'unis un coeur de neige à la blancheur des cygnes;
Je hais le mouvement qui déplace les lignes,
Et jamais je ne pleure et jamais je ne ris.

Les poètes, devant mes grandes attitudes,
Que j'ai l'air d'emprunter aux plus fiers monuments,
Consumeront leurs jours en d'austères études;

Car j'ai, pour fasciner ces dociles amants,
De purs miroirs qui font toutes choses plus belles:
Mes yeux, mes larges yeux aux clartés éternelles!

Há na Beleza eterna uma geometria perfeita, irrepetível, que atrai e emudece. Tudo nela é miragem, reflexo, ilusão pura.
É difícil não acreditar que o nosso jovem Search não tenha andado perdido por aqui!
Eu andei e continuo a andar...


Saturday, May 03, 2014

O prometido é devido.
Escrevo na intenção de que um jovem brasileiro (e não só) que se interessou pela obra juvenil de Fernando Pessoa me acompanhe na ideia que defendo, de há muito: há que ler o que o jovem poeta lia, em inglês ou mais tarde, já de regresso a Lisboa, em francês ( pois a literatura francesa era a nossa influência dominante) para entender melhor alguns dos temas, algumas das ideias que dominam a sua produção.
Exemplo: o poema da mão, datado de 1906.
To a Hand / Aquela Mão, na belíssima tradução de Luísa Freire, pede quem sabe, que se leia, de Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge (1910) e as páginas em que ele descreve como se encheu de coragem para falar da mão que na sua infância o aterrorizava a ponto de quase não se atrever a entrar no quarto, a deitar-se na cama, para dormir sossegado. Não se tratava de um sonho, mas de uma visão fantasmagórica, uma alucinação perturbadora.
Não houve, é claro, não podia haver, dada a diferença das datas do poema e dos Cadernos uma influência directa.
Mas o que há, e é isso que torna a literatura comparada tão interesante, é um tom de época, transversal nos temas, nos motivos, nos símbolos como são vividos na escrita de uns e outros.
Neste caso que me ocorreu (tenho estado a reler Rilke) a imagem da mão aterradora, parece-me ser importante o pavor que ela causa, o medo descrito por Pessoa como por Rilke.
O medo era grande, o medo era enorme, e por via da imagem dessa mão era do medo da morte que Rilke nos falava, como Pessoa jovem neste longo poema nos fala do medo de simplesmente existir, ou melhor da consciência do existir. Já se desenha, na sua poesia juvenil, este jogo de opostos entre o ser e o existir, e a consciência dolorosa de um e outro destes estados.
Pois o que faz a mão? Aponta um caminho, aponta um destino, ou toca-nos e o seu toque torna-se fatal, mata, como um punhal brutalmente também nos mataria, apenas porque podemos ver nela o toque de um criador primordial, e através desse toque vir a cair num abismo, a treva de que não mais se sairá.
Pessoa cultiva, como Rilke, e antes deles Baudelaire, uma espécie de simbolismo esotérico, perturbador, que obriga a releituras constantes.
Numa obra  que tive o privilégio de partilhar com Stephen Reckert, Fernando Pessoa. tempo. solidão. hermetismo (1978) pude alertar para a importância do espólio e da sua biblioteca pessoal. Nos ensaios de Reckert já se fazia o estudo de um topos de raiz baudelaireana retomado por Alexander Search o jovem heterónimo inglês agora profusamente conhecido:
"A Passante e o futuro do Passado;
"Alexander Search, entre o Sono e o Sonho".
 Dois estudos que nada perderam da sua actualidade e que urge, quem sabe on-line, caminhando para o futuro que algum editor se disponha a dar a conhecer deste novo modo. Não vou transcrever aqui, por serem longos, mas deixo os títulos dos poemas de que se ocupou Reckert e estão incluídos no apêndice textual : In the Street, e The Maiden. Poderão ser lidos nas traduções de Luísa Freire.
Quanto a mim, nessa obra, optei por sublinhar as marcas do simbolismo alquímico, num caso, e das leituras herméticas e teosóficas na moda, com A.E.Waite e H.P.Blavatsky, ou Annie Besant:
"Fragmentação e Totalidade em Chuva Oblíqua" ;
"Episódios/A Múmia, poema-chave para o estudo do hermetismo em Fernando Pessoa";
"O espólio e a biblioteca de Fernando Pessoa:uma solução para alguns enigmas".
Nos anexos incluí , de A.Search, Nirvâna, e The Circle - que também podem ser lidos hoje em dia nas traduções de L.Freire.
A curiosidade intelectual, o estudo dos grandes temas da religião, da cultura e das civilizações, para além da inquietante busca da verdade do ser e da existência, caracterizam esta produção juvenil, imperfeita na forma, mas já densa na interpelação de uma Verdade Maior, que sempre lhe escapará.
Se tivesse de escolher dois autores que ao longo do tempo, e desde cedo, fossem alimentando o seu mundo imaginal, escolheria Goethe, com o Fausto e Shakespeare sobretudo com The Tempest : não escapou ao nosso poeta a dimensão do conhecimento hermético, mágico e alquímico destes dois grandes génios da cultura universal. Com os fragmentos do seu Fausto, quis Pessoa desafiar, ou mesmo completar, a obra do antecessor. E no poema Canção de Próspero (Song of Prospero no original de Search) incluído na edição de Luísa Freire, temos a prova de que o dramaturgo era lido, e que com ele o jovem Search dialogava treinando a mão e o ritmo de poeta. Encontramos no acto V da peça os versos da inspiração.
Mas deixo aqui para facilitar a vida ao estudioso a tradução de Luísa Freire, do poema de Search:
A Canção de Próspero
Minha vara partida no fundo enterrada
Para sempre vai ficar;
Mais fundo que nunca o prumo soou,
Afundarei meu livro no mar.
O encanto de Próspero desapareceu,
Arte e magia tudo morreu,
Mortos e jazendo no fundo do mar.

Nunca mais ligados a mim
Os alegres espíritos do ar,
O que os chamava vinha daí,
E está afundado no cavo mar.
Embora não veja da luta um renovo,
Desejo contudo esta vida de novo,
Jazendo para sempre no fundo do mar".

Sabendo que traduzir nunca é fácil, e pior ainda quando se procuram ritmo e rima, perdoaremos aqui uma ou outra coisa que talvez tivéssemos, ao traduzir, resolvido de modo diferente. Isso em nada diminui a obra e o mérito desta tradutora, que tanto neste primeiro volume como no segundo cobre os anos até 1910. Foi-lhe muito bem atribuído o Grande Prémio de Tradução da APE e do Pen Club, em 1996.
Na verdade os anos passam, e com eles a memória do que foi feito outrora, sem grandes apoios, mas com grande paixão.







Thursday, May 01, 2014

Maios




1 de Maio

Na Praça da Figueira
a florista trabalha:
o que seria o Maio
sem as suas flores
sem o seu sorriso
sem as suas dores?