Wednesday, November 28, 2007

Ilustrarte 2007




Belíssimo catálogo de uma iniciativa que já atingiu dimensão internacional.
Decorreu no Barreiro (afinal não é só em Lisboa que as actividades culturais e artísticas acontecem, e ainda bem) esta bienal internacional dedicada à ilustração para a infância.
O catálogo contém uma mostra muito completa e variada de autores e estilos e é antecedido por uma observação de Paula Rego, pertinente, como tudo o que ela diz:
" Nunca percebi por que é que o termo ilustração é usado depreciativamente no mundo da arte....É uma vez mais o velho e estúpido snobismo das Belas Artes".
Felizmente tudo muda, embora às vezes demore muito tempo, e o esforço confiante dos comissários Ju Godinho e Eduardo Filipe ganhou esta batalha contra o preconceito.
De 1360 concorrentes escolheram-se 50.
E foi uma aposta ganha.
A Ilustração é Arte, como conclui Anthony Browne, um dos membros do júri. E diz mais:
que prevalece a originalidade sobre a técnica, embora saber desenhar seja um pressuposto
que as ilustrações não são descrições do texto mas criações a partir do texto
que são para todos e não só para crianças as ilustrações dos criadores

O Prémio desta edição foi ganho po Susanne Jansen, com Hansel e Gretel, (ténica mixta). Fez a capa do catálogo.
Mas há interessantes Menções honrosas, como a do francês Martin Jarrie, Drôles d'Oiseaux (acrílico) que deixo também no post. É de um lirismo que contrasta com o realismo de traço forte da ganhadora e demonstra como foi variada a mostra dos artistas.

A dimensão da arte- do texto ou da ilustração- é universal, ou não é arte.
Aqui fica esta ideia, para bonita prenda natalícia...

Friday, November 23, 2007

Melancolia de Durer



Para H.C.
A Melancolia de Durer


A minha primeira sugestão, para o entendimento desta obra, seria ler SATURNO E A MELANCOLIA, de Klibansky,Panofsky e Saxl.
Em seguida, não menos importante, de Edgar Wind, MYSTÈRES PAIENS DE LA RENAISSANCE (trad.franc. Gallimard); e ainda, de Edwin Panofsky, STUDIES IN ICONOLOGY, Humanistic Themes in the Art of the Renaissance.
Nestes autores se encontra abundante e rigorosa informação sobre a época, a divulgação de um novo pensamento, neo-platónico, cabalístico, alquímico, através das traduções devidas a Marsilio Ficino, Reuchlin, Pico della Mirandula, os grandes expoentes do Humanismo e Renascimento.
O Anjo de Durer tem a marca da Melancolia, estado de alma atribuído a Saturno, e marca, nos alquimistas, da NIGREDO, anunciadora de uma transformação espiritual (que pode ou não vir a concretizar-se).
Na criação artística essa melancolia tanto pode representar a pausa depressiva, depois de completada uma Obra, como um compasso de espera em que alguma coisa se aguarda, seja a revelação, seja a mudança.
No exercício artístico a espera pela inspiração pode traduzir-se num tédio melancólico, que só um novo impulso virá modificar.
No dicionário Mito-Hermético de Dom Pernety, lemos que a Melancolia significa a putrefacção da matéria. Os adeptos também a designam por calcinação, incineração, matéria "ao negro" (nigredo) por haver algo de triste na côr negra. Mas na Obra alquímica a nigredo anuncia as novas fases: albedo e rubedo, a da perfeição maior.
O Anjo de Durer aguarda, de asas caídas, que a transformação se verifique.
A Melancolia I, de 1514, é geralmente vista pelos historiadores de arte como uma figura de mulher representando a condição humana na sua impossibilidade de atingir a perfeição do conhecimento e da vida, da sabedoria divina e dos segredos da natureza ( depois da expulsão do Paraíso).
Mas há mais a dizer, e o que é de salientar é a influencia dos escritos de Marsilio Ficino, conhecido do pai de Durer que o mantinha informado das recentes obras desse autor.
Willibald Pirckheimer, amigo chegado, levara precisamente o LIBRI DE VITA TRIPLICI de Ficino (Florença,1489 ) e o padrinho de Durer, Anton Koberger publicara em 1497 as cartas de Ficino, onde muita matéria hermética era discutida. A sua visão do "carácter saturnino" é a própria da melancolia do homem de génio, enquadrando-se ainda na definição do místico neo-platónico cristão.
Ficino distingue dosi tipos de melancolia, uma própria do brilhantismo da mente, outra da doença maníaco-depressiva.
Mas mais interesssante, na minha opinião, é a afirmação feita por outros estudiosos, para quem a iconografia da Melancolia I coincide com a definição de Agrippa von Nettersheim em DE OCCULTA PHILOSOPHIA, que circulava em manuscrito já desde 1510. Ainda que influenciado por Ficino, vai mais longe na clarificação dos tipos de melancolia, referindo a "Melancholia Imaginativa", uma condição própria dos artistas, arquitectos e artesãos...Não há dúvida que é nesta categoria que se inclui a obra de Durer e o seu significado. Assim, para lá do Anjo, que não é mulher, é figuração da Anima alada, ainda que de rosto escurecido ( melancolia em grego é bílis negra), a caminho da espiritualização, há elementos simbólicos à sua volta que são importantes para decifrar o negro momento da espera:
O compasso na mão, símbolo da ordem que a medição impõe.
A ampulheta, que mede o tempo, limite último da nossa condição.
A esfera, representação máxima da completude, da perfeição.
A Pedra cúbica, símbolo da Pedra alquímica, aos pés da escada onde parece dormir um "putto"( o puer eternus, mediador da transformação).
A escada, que podemos encontrar em muitas gravuras alquímicas, símbolo do caminho e da ascenção a que conduz (recorde-se o fim do Mutus Liber).
A balança, símbolo do equilíbrio, da harmonia que é preciso cultivar.
O cão enrolado aos pés, animal que é companheiro da obra e do adepto em muitos tratados, como se vê em Mchael Maier, ou até no Fausto de Goethe, quando Mefisto escolha a forma de cão para seguir Fausto até casa (figura a natureza animal a ser purificada).
Last, but not least, O Arco-Íris e o sol no horizonte, símbolos da AURORA CONSURGENS, tratado de enorme influencia (estudado por Marie-Louise von Franz). A luz dissipará o dragão, variante da Besta do Apocalipse que define a melancolia.
Mas, para além de todas as explicações, bom mesmo é contemplar a gravura e deixar que as suas imagens, como ideias-força, tomem conta de nós.

No meu outro blog, de simbologia e alquimia, pode encontrar a indicação de uma obra de M.L.von Franz, Alchimie et Imagination Active onde, a partir de um tratado de Gerhard Dorn, seguidor de Paracelso, se definem as formas de meditação como imagens do Eu profundo a ser assimilado pelo processo da "imaginação activa".

Desenhos de Durer




Caro Henrique,
Veja como no auto-retrato do jovem Durer ( desenho, c.1491 ) já se exprime a preocupação e a concentração de espírito que veremos na Melancolia e noutras gravuras e pinturas posteriores.
Há uma sombra passando neste rosto, bem semelhante ao do Anjo, e o apoio da mão é muito característico.
Acima ficou outro desenho, o de um velho de 93 anos, como ele descreve, "ainda saudável e levando uma boa vida" em Antuérpia.
Supõe-se que serviu de inspiração à pintura de S. Jerónimo que se encontra no Museu de Arte Antiga em Lisboa.

Saturday, November 10, 2007

Mealibra



Mealibra, revista de literatura e arte, celebra Agustina Bessa-Luís e David Mourão-Ferreira, nesta edição de Outono.
De Agustina celebram-se os 85 anos.
De David a memória.
Li Agustina pela primeira vez por sugestão de um amigo: lê OS INCURÁVEIS, lê os TERNOS GUERREIROS (eram os anos 60, eu tinha vinte anos). Na sua prosa excessiva, torrencial, podia-se mergulhar como num mar profundo. A sua obra tinha a marca do génio, a marca da diferença, quase uma maldição (por ser mulher). Atrevia-se, na cidade dos homens, a desarticular sentidos, paixões, percursos e cruzamentos sociais, numa escrita forte, determinada, em que imperava o universo feminino, com as suas sombras, os seus medos, as suas traições.
O mundo de Agustina é um mundo ao mesmo tempo mágico e cruel de tão real. O seu olhar não perdoa, a sua mão é fiel ao seu olhar.

Mais Luis Miguel



Para saber mais sobre Luís Miguel Cintra e a aventura do Teatro da Cornucópia, o livro de Maria Helena Serôdio, editado pela Cotovia.
Através dele acompanharemos a aventura de uma vida inteiramente dedicada ao teatro e ao serviço de uma verdadeira educação pela arte, na mais nobre dimensão ética e estética que a possa definir.

Saturday, November 03, 2007

Sonata de Outono



Mais uma vez o Teatro São Luiz faz brilhar a rentrée.
Com a Sonata de Outono de Ingmar Bergman, que muitos de nós viram a seu tempo no cinema, construiu-se um espectáculo intenso, enquadrado num palco que lhe confere uma dimensão lunar superior.
No limiar da consciência assiste-se ao dizer tumultuoso e cruel de um inconsciente longamente recalcado.
Afrontam-se mãe e filha (s), com as suas memórias, as suas acusações, sofrimentos e remorsos.
A ferida incurável e a degradação dos sentimentos estão claramente simbolizados na filha doente, com uma doença degenerativa que a mantém presa à cama e já incapaz de se exprimir a não ser por sons quase incompreensíveis.
O tema subjacente é o da impossibilidade de dizer, de comunicar, de estabelecer um elo mais verdadeiro entre o sentido, o pensado, o dito. O sucesso da mãe, por excessivo, apaga a tímida luz da filha que finalmente confessa o sofrimento por que passou. Mas como ela própria diz, o sacrifício da mãe ficando em casa por amor em nada melhorou a relação, que continuou difícil.
A dôr de uma será às vezes o remorso de outra, não há mãe que não tenha vivido com o remorso: de ter dito, ou de não ter dito; de ter feito ou de não ter feito, sabendo-se à partida que o dizer e o fazer são quase sempre impossíveis.
O círculo de luz azul que ilumina a esquerda da cena figura bem a solidão mais nocturna da alma, o fechamento a que tudo se reduz no fim.
Lembra também que a perfeição formal é um momento isolado no contexto da vida.
A vida é feita de outras coisas, marcas pequenas da nossa permanente e humana imperfeição.

Assina o cenário e figurinos o António Lagarto, com a sua mão de Mestre. Quem tem arte e métier destaca-se pela qualidade da obra, e ele é exemplo disso: repare-se na solução encontrada com o piano de brinquedo (resolve a questão da música tocada e discutida) a casinha e o comboio, sublinhando o universo da infância que se desmoronou.
A direcção musical é de Nuno Vieira de Ameida, com o bom gosto e rigor que lhe são conhecidos.
A encenação é partilhada: Fernanda Lapa e Cucha Carvalheiro. O trabalho conjunto destaca-se pelo mesmo rigor já referido acima para o António e o Nuno, e por uma sobriedade que deixa respirar o texto e o trabalho dos actores: cada um a seu modo vai ocupando o espaço que lhe cabe, materializando com o corpo e com a voz o Outono da alma em que cairam.
Se muito passa pela relação mãe-filha e pela (in)capacidade ou impossibilidade da abdicação maternal, tudo passa, em surdina, pela discussão da arte e da relação do artista consigo, com a sua arte e com o resto do mundo: para o artista (como é o caso desta mãe) não há resto do mundo, só satisfação e realização pessoal, numa fuga constante à realidade.
Para o artista o real pode tornar-se insuportável.
Uma palavra de admiração excepcional para o trabalho de actriz de Fernanda Lapa, incarnando estes dilemas.
Estão todos de parabéns.

A Peça ficará em cena até 25 de Novembro.
Quem gosta de teatro deve ir ver.