Wednesday, May 17, 2006

G.Benn III



NÃO PODE SER LUTO

Nessa cama pequena, quase de criança, morreu a Droste
(pode ver-se no museu dela em MEERSBURGO),
neste sofá Holderlin, na torre, em casa de um marceneiro,
Rilke, George, lá foram em camas de hospital, na Suiça,
em Weimar os grandes olhos de Nietzsche
pousavam numa almofada branca
até ao último olhar-
tudo isso tralha velha agora, ou que se foi de vez,
indefinível, apagada
na ruína indolor e eterna.

Trazemos em nós sementes de todos os deuses,
o gene da morte e o gene do prazer-
quem os separou: as palavras e as coisas,
quem os misturou: tormentos e o lugar
em que se acabam, madeira com fiozinhos de lágrimas,
sede mesquinha de horas breves.

Não pode ser luto.Longe demais, além demais,
intocáveis demais a cama e as lágrimas,
nem não, nem sim,
nascimento e dor física e crença,
uma ondulação, anónima, um deslizar,
algo de supraterreno, a fazer-se sentir no sono,
agitou cama e lágrimas-
trata de adormecer !

(trad. V.Graça Moura)

Veja-se a memória e saudade de uma cultura sempre presente nos grandes artistas : são humildes, na sua arte, reconhecem os outros, não permitem que os tempos os transformem em "tralha velha", mesmo que a isso aludam. Nesta lista de saudade falta Goethe, que é evocado num outro poema como sábio universal.
E deixem que termine com um elogio à antiga O OIRO DO DIA, do Porto, que pela mão de JOSÉ DA CRUZ SANTOS deu sempre voz aos melhores poetas do mundo, viessem de onde viessem poemas e convicções.

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