Tuesday, September 02, 2025

Maria Filomena Molder, PALAVRAS ALADAS

Depois da filha, a mãe.

A mesma marca, de criatividade que obriga ao pensamento. Numa, pintora, a origem da imagem; noutra, filósofa, a origem da palavra. 

O título é sedutor: palavras aladas. Surgem com asas ou é o pensamento fundador que as faz voar, com asas que lhe são colocadas?

São aladas porque fluem entre as duas pessoas que ali se encontram no mesmo espaço, partilhando interrogações e respostas ao modo de uma entrevista-conversa em que parcialmente se afloram questões quase de biografia, não romanceadas mas igualmente sugestivas do que poderia facilmente ser também romanceado no imaginário da pessoa entrevistada. Sempre que falamos alguma coisa vai nas palavras que voam, saídas do ninho, do conforto do nosso pensamento mais secreto e silencioso.

É tão mais fácil o silêncio do que o esforço da palavra: onde está, onde se esconde e é preciso buscá-la. 

A entrevistadora tem cultura e preparação para fazer as perguntas, ora da Vida, ora da Obra, um percurso já vasto que podemos acompanhar desde Platão, o preferido, passando por muitos outros criadores, desde os  caçadores que desenharam o seu mundo nas cavernas pré-históricas, até aos mais revolucionários modernistas. É vasta a cultura que nesta entrevista nos convoca para a filosofia, sim, mas muito para o pensamento literário e artístico, tanto quanto o musical. 

Maria Filomena Molder ao mesmo tempo seduz e intriga. Leu tanto? Leu tudo? A mim não me causa espanto, também eu comecei a ler em criança, também eu me interessei desde cedo pela arte e cultura, e no Liceu devo ter sido a única que leu toda a obra de Platão sem achar que era um aborrecimento, tendo de ler apenas o Fédon.

Adiante vou de novo encontrar em Maria Filomena o meu mais profundo e inspirado criador : Goethe, sobre cujo Fausto alquímico me doutorei.

Afinidades, que me fazem ler Filomena Molder com redobrado prazer que não escondo. O que ela vai referindo nas respostas  que dá a Cristina Robalo, sua entrevistadora, numa conversa que tem um nível de preparação já muito raro, levam-me de volta ao meu tempode estudo e investigação, que durou anos. Assim quando surge Goethe, e a citação que Filomena fez de Dichtung und Wahrheit, já deve estar traduzida esta obra que ele já avançado em idade foi ditando ao seu secretário, lembrei-me de como me foi útil, quando a li, a lista dos seus autores herméticos, alquímicos, teosóficos (Boehme o de maior peso, com De Natura Rerum, ou o tão lido posteriormente Aurora Consurgens) que vinham confirmar o que eu ia escrevendo e poucos naquele meu tempo achavam que era importante e carregava sentido de transformação. A cultura que Goethe adquiriu era-lhe levada - ele estava doente em casa - e uma sua amiga pietista levava-lhe esses tratados de sábios de outra sabedoria, espiritualista, cultivada desde o século XVII nos colégios de piedade espalhados por contraponto ao racionalismo cartesiano em pequenas comunidades que se dedicavam à leitura e à meditação de textos místicos que depois iam formando uma cultura própria, de bastante influência, como se pode ver em Goethe. Era Susana de Klettenberg, essa amiga fiel. 

Para um criador que buscava o Princípio, a Origem no caso dos estudos científicos a Ur-pflanze, a primeira de todas as plantas de que as outras iriam evoluindo, os antigos tratados foram leitura preciosa. Porque neles, a transformação, como tema central, era a METAMORFOSE e tudo na procura alquímica se prendia com a metamorfose : da matéria em espírito, da pedra informe em ouro puro, a mutação sublime.  

Sou de um tempo em que não havia grandes apoios, mas grandes dúvidas sobre o trabalho de investigação das mulheres que deviam era ter ficado em casa, a tomar conta de marido e filhos. O tempo de Filomena já foi mais favorável, mas isso em nada diminui a sua inteligência, amor da arte e da cultura e a descoberta do enorme prazer da palavra, que recolhia na rede do seu pensamento, se lhe passasse à frente.

Recuperando o Hino à Memória, Mnemosyne, que Heidegger cita nas suas últimas lições (depois de perdoado e reintegrado na sua Universidade), Maria Filomena neste belo texto contraria o que o filósofo alemão dizia nos primeiros versos: que éramos sinais que tinham perdido o sentido. Ela devolve o sentido aos sinais que lhe são dados a ver. 

Não é para qualquer um...


4 comments:

Anonymous said...
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mceupc said...

Fico em silêncio, sob enorme prazer, após leitura de mais um texto sublime.
Verdadeira Bençāo.

mceupc said...

Fico em silêncio, sob enorme prazer, após reflexāo sobre mais um.texto sublime.
Verdadeira Bençāo.

Yvette Centeno said...

Mérito da Maria Filomena, depois da leitura a reflexão...obrigada.