Dois livros que me chegam no mesmo dia, um o oposto do outro:
José Luís Ferreira, A Noite Respira-me por Dentro
Sérgio Ninguém, atrofia perene
Conheço a poesia de ambos, alguma coisa já escrevi por aqui, ambos amam a literatura e em especial a poesia que demoram a escrever, sem pressa, porque a palavra poética merece ser procurada com uma lentidão amorosa que a honre no momento da escrita.
Jung teria aqui matéria e substância para a sua reflexão sobre o que são, na alquimia, a conjunção dos opostos e de que modo se manifestam na psique, progredindo ou regredindo (ou mesmo por vezes afundando-se num caos de matéria feita de negro).
José Luís Ferreira, nos versos do seu livro, oferece um Cântico de paixão e amor intensos e genuínos a que deseja dar voz, não os deixando retidos na noite da sua alma. Ama e diz que ama, e é essa respiração do amor e da voz que o proclama que nos remete para algo de perene, sublime e nos envolve, pessoa amada e leitores que ali revivem algo do Cântico dos Cânticos que a lenda atribui a Salomão.
Um amor entregue, desprotegido, que corre para uma felicidade aguardada. Mas não se perde no caminho, sublima-se no seu avanço, no seu apelo, numa fidelidade que não sofre alteração ao longo de uma vida que ali é expressa com tanta intensidade que espanta. Poesia moderna, mas não de imitação fácil, tem voz própria e sentimento que a salva da escuridão onde poderia ter ficado retida, perdida.
Luís vive bem e de modo completo esse amor declarado.Tinha chegado o momento - era retribuição, sem dúvida, porque ao darmos receberemos em troca mais do que demos. Não se trata de interesse, de troca sem sentido, trata-se de uma Conjunção que em breve terá lugar, se não o teve já.
Bem diferente é o livro de Sérgio.
Carrega um peso que será quase maior do que a morte - numa nigredo de que não parece querer sair, sabendo embora que esta é apenas uma fase inicial do seu processo alquímico da transformação. Mas terá de encontrar a força de a atravessar, passar para o outro lado do rio da alma, que nos livros anteriores, Pedra e Pedra 2, podemos ler e admirar no seu domínio de uma escrita profundamente original.
Sérgio regressou à escrita filosófica e poética, e ainda bem. Contraria pela palavra a amargura que sente com o mundo à sua volta:
Vives (n)uma apatia neurasténica sem fim,
seria necessário catalizar a energia de muitos
para que te pudesses movimen.
Tal como um calhau sem vontade,
volumoso e inerte,
só o pensamento corre
íngreme
ao comprido.
Esta é a sua pedra de Sisifo, que ele terá ainda de levar as vezes que for necessário até chegar ao fim do seu caminho, que adiante o espera, no meio das Pedras já vividas.
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