O desafio começa logo no título: o que é este mim e que coisa o impossibilita de um acontecer, o acontecer que se revela igualmente enigmático?
O que é o acontecer, se não é um acontecer, uma coisa que acontece, pode ser qualquer coisa banal e sem mistério? Todos os dias acontecem coisas, uma melhores outras piores, outras indiferentes a toda a gente e não apenas a quem escreve este MIM? E se o escreve, não aconteceu já, ou não está a acontecer?
Teremos de ler o livro, ler sem ideias pré-concebidas nem preconceitos pois haverá no decurso de uma narrativa solta, ainda perto do surrealismo provocado, não por alguma substância que acelere mas por um torrencial desejo de se exprimir, ora no eu ou pelo eu, para chegar ao menos fácil mim, conceito mais fechado sobre si, mais difícil de se explicar quando se derrama numa linguagem de metáforas literárias, orgânicas, científicas a uma velocidade que nem sempre se consegue acompanhar.
E será necessário acompanhar, ou aceitar essa impossibilidade anunciada logo de início? O acontecer que aqui se introduz, perturbando o discurso teria mesmo de acontecer? O próprio autor nos desvia de buscar um sentido. Aceitemos que nada tem sentido, que é tudo aleatório, dormiremos mais sossegados, acordaremos mais disponíveis para continuar a aventura da vida. A quotidiana, com os seus imponderáveis, à profissional com as suas variantes, que podem ir do sucesso ao desespero de algum amor não dito, numa profissão que o proíbe.
O que se faz deste mim, que não pode acontecer, o que se faz de um eu que não pode revelar-se ampliando - se num Eu superior, diria Jung, sublimado pelos múltiplos degraus das escadas que foi subindo até uma espécie de revelação mística final?
Ao ir lendo, com atenção, conseguiremos separar o mim do eu ? Na psicologia junguiana eu tentaria reflectir sobre o Ich e o Selbst, mas Nuno não é tão decifrável, nem permite que tentemos essa louvável caminhada. Ele de imediato, nos parágrafos seguintes, nos retira as escadas, os possíveis, ainda que para nós frágeis, pontos de apoio.
O seu discurso é para ser sentido, não entendido nem racionalizado. Ilustra? Por vezes, para dar migalhas à nossa inteligência neuronal. Mas as metáforas de que ele se serve, com que nos surpreende, têm outra raízes, não do lobo frontal, mas de um corpo rasgado por uma anatomia nua e bruta, e que só ele consegue recompôr e devolver a um imaginário mais normal. Sai do sistema, se é do sistema que o leitor está à espera. Sai da regra, é mais fundo e perigoso o seu jogo de dois eus, um dos quais é o mim, o tal impossibilitado do acontecer. Precisamente por ele, Nuno, o sujeito e objecto de toda a reflexão.
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