NEXUS, de YUVAL NOAH HARARI - começa uma nova leitura, como se começa uma nova aventura. Sem saber onde conduz, ou se por incapacidade nossa se tem de ficar a meio, mas sem ter de voltar atrás. Ficar a meio, se já se leu o bastante para ter noção disso, não é mau.
Mau é não fazer o esforço de ler, porque ali, nesse livro, se discute o futuro (possível? provável, certo?) da humanidade como a conhecemos até agora. E mesmo este agora o que significa para uns e para outros?Homo Sapiens foi o título da primeira obra que chamou a atenção dos leitores críticos da obra e do mundo.
E Harari logo questiona o termo Sapiens. Porque irá discutir o conhecimento e capacidade tecnológica adquiridas pela comunidade humana do conceito de Sabedoria, sapiens, sapiensia, desse conhecimento. Este foi o que deu poder, veja-se a ciência em todos os variados domínios, medicina (ainda que primitiva, das primeiras comunidades formadas e detentoras do conhecimento de ervas, de plantas, de animais) mas o poder não conferiu o Saber da existência, do seu sentido profundo, o que deixa o ser humano, no dizer de Harari, numa crise existencial. No decurso do livro percebemos que se pretende chegar, depois de séculos de progresso, ao problema da Inteligência Artificial com os riscos que nos faz correr, se o poder que se possui lhe fôr entregue sem mais. Discute-se então liberdade e regulação que não permita à IA um poder absoluto, destruindo pela sua capacidade tecnológica o orgânico que nos constitui, e ao mundo.
E levanta-se logo outra questão: se somos tão sábios, como nos tem sido impossível parar a nossa auto-destruição, que se foi tornando cada vez maior e mais visível? O conhecimento não deveria sustentar a sabedoria? Aumentando-a em vez de poder levar a toda a destruição do que fomos sendo, enquanto criaturas, organismos dotados de vida, corpos em busca de um caminho, de um sentido?
Harari quer uma resposta que não tem sido dada à grande questão da vida : "quem somos? a que devemos aspirar"? (Prólogo, xii). E continua, com um pensamento mais simples "o que é uma vida boa? e como a devemos viver? "
Assistimos no século XX a grandes catástrofes como o Nazismo e o Stalinismo, apesar da evolução desde o homem das cavernas, que nos deveria ter conduzido a uma sociedade e uma vida bem diferentes. Não diria felizes (o que é isso de felicidade?) nem perfeitas, pois duvido que nem em Deus exista perfeição. Contudo em que melhorou com a evolução gradual, milenar, a compreensão de nós próprios e do nosso papel no universo? Pergunta sem resposta, ainda hoje.
Somos competentes a adquirir informação e poder, mas muito menos a adquirir sabedoria. Harari recupera a ideia de antigos mitos de que algum pecado original, algum crime profanador da essência dos deuses, um excesso da ambição de lhes ser igual ou ainda mais poderosos (basta recordar Platão e o mito do Andrógino, ou Phaeton a querer conduzir a carruagem do sol: Helios, seu pai, adverte que não é possível aos humanos controlar os celestiais cavalos que puxam a carruagem e que não será bem cedido, fazendo incorrer em grande perigo tudo o existe ali, à roda do seu pai, como vem a acontecer, fazendo com que até o mundo quase se extinguisse nas chamas desencadeadas, queimando tudo o que existia, até que Zeus intervém e restaura a ordem nos céus. Aqui temos castigo, mas há uma ordem superior que surge e corrige os estragos. Em resumo, é nos antigos mitos que se procuram as primeiras explicacões para o mistério da existência do universo e do homem nas suas imperfeições.
Harari recorre à sua enorme bagagem cultural para dar seguimento à aventura da busca de um saber inacessível, como no Aprendiz de Feiticeiro, (ou mais seriamente no Fausto digo eu) e chega às perplexidades modernas, não menos misteriosas e sobretudo inquietantes, porque possuindo um poder que antes a magia de uma poção ou de uma vassoura não poderiam dar.
Onde fica então o Sapiens de que se falava? Era outro mito?
O que é afinal a sabedoria?
Talvez muito simplesmente o ter adquirido um conhecimento que nos levou à concepção e construção de uma Inteligência Artificial que em muito (esperemos que não em tudo) nos pode substituir, aliviar ou corrigir os nossos erros, aumentar gradualmente a sua capacidade e inteligência e cada vez mais o poder que tem de se aperfeiçoar até ser uma criatura tão próxima de nós que nos possa representar em todas as circunstâncias - a sabedoria seria então não permitir que tal aconteça. Porque com a ilusão ( ou realidade de um poder "indestrutível" se pode acontecer o melhor, pode acontecer o pior, a autodestruição da própria humanidade, que fora a criadora...
Em regra é o que tem acontecido, podendo ser possível acontece o pior. E aqui no caso a história dos mitos clássicos bem o demonstra, como se fossem lições para um futuro já presente.
Outra questão que nos interpela, tendo a ver com a comunicação - que a IA também nos coloca - é se agora, no mundo globalizado que permite uma teia rápida, para não dizer instantânea de interacção afinal comunicamos mais ou menos uns com os outros, e importância que isso pode ter, na qualidade de criaturas orgânicas que ainda somos. Beneficiamos com tanta informação e tanta rapidez como seres que ambicionam, por enquanto vir a ser sábios? Ou a sabedoria fica pelo caminho e somos apenas contentores de conteúdos avulsos, abundantes, até demais, em excesso e que nos afogam nesse excesso que impede uma ideia própria, independente e solta do lixo que a abundância traz consigo, por não acrescentar nenhum sentido que ajude à progressão, sim, mas da sabedoria verdadeira.
Num dos capítulos, THE NETWORK IS ALWAYS ON, define-se bem que o facto da internet que é uma teia perniciosa para a nossa mente, estar sempre ligada, é algo que além de ser viciante, na realidade não acrescenta qualidade ao pensamento (sabedoria) mas antes o reduz ao instantâneo, que impede que se distinga entre o bom e o mau, o útil e o inútil, o pleno de uma ideia sólida e o vazio de coisa nenhuma. Eis um dos perigos que Harari aponta, na transição que já está feita para a IA, pois é-lhe conveniente que tal excesso e tal velocidade, a ela IA, ajude ao seu progresso em matéria de poder. O indivíduo que não tem tempo para pensar, escolher, decidir é a vítima fácil e desejável de um algoritmo qu foi concebido para o Poder, para mandar sem que nada o questione.
O capítulo 9 é para mim dos mais interessantes. Aborda a democracia, somando algo que lhe está na raiz : CAN WE STILL HOLD a CONVERSATION?
Ainda somos capazes de ter uma conversa? Subentenda-se que seja reflectida, com sentido, perseguindo um fim útil à sociedade, para uma escolha do poder que o tempo da solução ganhadora, transitória ( por não se tratar de uma ditadura onde não haveria escolha, apenas obediência dispensando o pensamento) implica.
Harari não garante que sim, ainda somos capazes de conversar uns com os outros, sem manipulação. Mas a manipulação está em todo o lado, desde os anúncios dos produtos de televisão, escolhidos por um algoritmo e não por uma pessoa como nós, aos media em geral - é uma tão grande poupança não ter de discutir ordenado com o editor - e agora a nova invenção dos influencers - veja-se a rapidez com que em Portugal e no mundo se adoptou o termo! Temos equivalentes, mas não se perdeu tempo a ver.
Harari não aborda aqui a questão do tempo, mas a da comunicação entre os seres - uma pergunta, uma resposta - uma concordância, uma discordância, chegndo ou não a alguma conclusão final. Não, Harari aponta o problema, grave, de que se perca essa capacidade, o algoritmo da IA resolve e dita, sem questionar os resultados que da escolha possam advir, negativamente, para a espécie e para o mundo. Faz o historial das democracias, como surgem e evoluem, e das ditaduras, sublinhando o seu receio da fragilidade das democracias tal como se formaram. É o olhar de um historiador atento às vicissitudes da evolução política e da espécie, num mundo caótico.
Valeria a pena, sendo assim, pensar numa vida melhor e mais feliz, e o que seria neste caso esse difícil conceito de felicidade que desejaríamos viver?
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