A CASA
a casa a envelhecer connosco
e no entanto a casa
envelhecia:
tinha dores
achaques
tropeções
incómodos pequenos
lâmpada que falhava
e uma ou outra coisa,
vertigem passageira.
Assim corria o tempo
em pequenos derrames
que a todos por dentro
corroía: a casa e com ela
as portas que rangiam
e umas résteas de luz
já quase a apagar-se.
A casa não andava
a casa já não via,
e nós ainda achávamos
que era coisa ligeira.
Não tem mal, dizíamos,
quando chegasse a hora
umas velas acesas,
candieiros de avó
sem perigo de incêndio:
a casa envelhecida
sempre estaria ali,
sempre resistiria.
Sem dar por isso
o nosso envelhecer
ali juntos, fechados,
embora já morrendo
seria a última prova
de um grande amor
vivido
o dessa casa antiga
às vezes ainda rindo,
outras vezes zangada,
mas dividindo connosco
o tempo que faltava.
Lisboa, 2018
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