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De
Novalis ( 1772-1801) a Schubert (1797- 1828)
Novalis
(pseudónimo de Georg Philipp Friedrich Freiherr von Hardenberg) figura maior do
Romantimo alemão, teve a sua obra editada primeiro em 2 vols. pelos amigos
Ludwig Tieck e Friedrich Schlegel, em 1802.
As
obras de Novalis, bem como as dos irmãos Schlegel, tiveram marcada influência
em Franz Schubert.
Vemos
que na Bela Moleira/ Die Schoene
Muellerin ( 1823) se recupera um imaginário de cariz popular, nacionalista
ou melhor tradicionalista, eivado de uma
reflexão melancólica resultante da empatia profunda com a natureza,os seus
ciclos, de que o Tempo e a Temporalidade são parte integrante e que o fluir da
água do regato, na última canção (n.20, Des Baches
Wiegenlied / Canção de Embalar do Regato)
evoca e representa.
Esta
canção funde os vários motives da temática romântica por excelência:
1. a contemplação da natureza e
a elevação de alma que suscita
2. o desejo de um repouso que
se aproxima do sono, depois do sonho que foi a Viagem (evocadora da busca da
Flôr Azul, no célebre romance inacabado Heinrich
von Ofterdingen e que são referidas na estrofe em que cita “ as pequenas
flores azuis” pedindo que não olhem para ele)
3. apelo à noite, com a lua
cheia a erguer-se no céu imenso, noite que. tal como o sono que pode ser
antecipação da morte, dissolverá para sempre alegrias e desgostos.
Este
Moleiro-Poeta é uma recuperação do Viandante de Goethe.
Quando
na primeira canção Das Wandern/ Viajar
(que eu gostaria mais de traduzir por algo como Vaguear, pois é mais de vaguear
que se trata, caminhando solto na paisagem,
de floresta, de ribeiro ou de mar, deixando corer o pensamento) se alude
a esse ímpeto de correr mundo, já se adivinha, pela imagem escolhida da água
cujo curso é imparável, da roda, que não cessa o seu rodar (como a roda da
vida, que é a roda do Tempo) da pedra da mó, também ela redonda e girando cada
vez mais depressa- já se adivinha, dizia que esta não sera uma viagem qualquer,
mas um percurso que é decurso simbolizado da vida.
Pelo
meio um atravessamento de amor, sem consequência a não ser a de despertar
saudade, saudade do regresso a uma casa que é muito mais do que o lar que se
deixou para trás, é morada de repouso, quem sabe se definitivo, uma paz de alma
reconciliada que só a morte concede.
Os
poemas de Wilhelm Mueller (1794 -1827), um dos grandes amigos do compositor,
constituem um verdadeiro ciclo, em que o fio narrativo não se perde, ampliando
a temática central da viagem pela vida e do horizonte da morte. Dos vinte e
cinco textos da edição original do poeta (1821) Schubert escolhe 20, que
organiza numa “introdução” e fecha com um “epílogo”, o que sublinha a
dramaticidade lírica e musical da obra.
O
tema fulcral é o da Viagem, como já se disse.
O Wandern alemão não significa o mesmo que
Reise, mas seria difícil traduzir por
vaguear, viajar ao acaso, pois o Moleiro não parte ao acaso. Caminha em
direcção ao moínho onde estará a sua amada. Daí que se tenha escolhido o termo
Viagem, e não o Vaguear, embora este ficasse melhor no caso do Viandante, que
não temos traduzido por Viajante.
Mas
deixemos a questão, respeitando o que tradicionalmente está aceite.
Na
canção n.1 começa a descrição da caminhada do Moleiro, junto ao riacho, e aí se
glorifica a água, elemento primordial, através do que a água simboliza se
glorifica o movimento perpétuo, o caminhar ( a roda) da vida:
Das Wandern / Viajar
Viajar!
Só pode ser mau moleiro
Aquele a quem viajar não agrade,
Viajar!
Aprendemos com a água,
Com a água!
Que não pára dia e noite,
Pensando só na viagem,
A água.
O mesmo fazem as rodas,
As rodas!
Que nunca ficam quietas,
Não se cansam de rodar,
As rodas.
E até as mós,tão pesadas que elas são,
As mós!
Giram numa dança alegre,
E querem ir mais depressa,
As mós.
Oh viajar, viajar, minha alegria,
Oh viajar!
Meu senhor, minha senhora,
Deixai-me partir em paz,
Vou viajar.
Se
o tema central é o da Viagem, o símbolo vital será a Água.
Mas
é uma água complexa, que tanto corre para a vida como esconde já alguma pulsão
sombria: é o que se adivinha na canção seguinte, n.2.
Corria da fonte do
rochedo
Em direcção ao vale
Fresco e maravilhado.
Não sei o que me
aconteceu,
Nem quem me deu o
conselho,
Também tive de o
seguir,
Com o bordão de
caminheiro
A descer e sempre em
frente,
e sempre atrás do
regato,
A correr com o seu
murmúrio,
De uma alegre
limpidez.
É este então o
caminho?
Diz-me, regato, onde
vou?
O teu murmúrio suave
Perturbou os meus
sentidos.
Que digo do teu
murmúrio?
Não pode ser murmurar
São Ondinas a cantar
Nas profundezas do
Reno
Deixa cantar,
companheiro,e
murmurando segue o teu
caminho!
Rodam as rodas do
moinho,
Em todos os regatos de
água clara.
Repare-se como nesta alusão a
uma água feliz já está contida, pela alusão às Ondinas do Reno, a pulsão da morte que um Heine descreverá como ninguém
na sua Lorelei.
Outras imagens simbólicas poderão surgir, como a floresta,
ou o bosque (que seria
a Terra) ou o Céu (que seria o Ar) ou mesmo o Fogo (quando se arde de paixão ou
de paixão se morre). Vemo-las também noutros poetas, que Schubert muito amou,
como Goethe ou Heine em quem uma consciência alquímica da vida se torna muito
patente.
Mas
fiquemos nesta meditação do Wandern.
Impossível
não evocar aqui o poema de Goethe que melhor reflecte este estado de espírito:
E todo o o sofrimento
e dôr acalmas,
Que ao duplamente
infeliz
Duplamente consolas,
Ah, estou cansado de
tanta agitação,
De que servem a dôr e
o prazer? –
Doce paz,
Vem, ah vem desce ao
meu coração!
E
ainda este, que completa o anterior e lhe amplia o sentido da brevidade da vida
ou do desejo de morrer:
Outro Igual /Ein
Gleiches ( 1780 )
No alto dos montes
Reina a paz,
Nas árvores
Não se pressente
nem um sopro.
Os passarinhos calam-se no bosque.
Espera, que em breve
Também tu repousarás.
Com
este mesmo estado de espírito, de abandono à noite do desgosto e da melancolia,
e de ânsia pelo repouso eterno (da morte) é concluída a última canção, n. 20:
Des
Baches Wiegenlied / Canção de Embalar do Regato
Descansa em paz,
descansa em paz! Fecha os teus olhos!
Viajante, que estás
cansado, chegaste a casa.
Aqui reside a
fidelidade,junto a mim repousarás,
Até que o mar engula
todos os regatos.
Lavada de fresco será
a tua cama
Com largo travesseiro
no quarto azul de cristal,
Vinde, vinde agora,
vós que sabeis embalar,
Embalai nas ondas o
rapaz até que ele adormeça.
Se uma trompa soar no
bosque verdejante
Farei um barulhão à
sua volta.
Não olheis para mim,
florzinhas azuis!
Estais a dar pesadelos
ao meu adormecido.
Afasta, afasta, o
trilho do moinho!
Fora, fora,
rapariguinha má,
Que a tua sombra não o
venha acordar.
Mas dá-me o teu
lencinho fino
Para os seus olhos
tapar.
Boa noite! Boa
noite!Até que tudo desperte.
Que o sono te consuma
as alegrias e as dores!
Ergue-se a lua cheia,
dissipa-se o nevoeiro
E o céu lá em cima tão
vasto que ele é.
Na Viagem de Inverno / Winterreise (1825) adensa-se o tom da
melancolia, pressente-se em cada momento um fim de ciclo, com a última das
Estações do ano, antes que renasça a vida com o retorno dos Maios da Primavera,
novos amores, cantos de pássaros
felizes.
O Viandante é de facto um Estrangeiro e não mais um Caminheiro da
vida. O seu estranhamento, em relação
a tudo o que o rodeia é agora total. O ciclo é igualmente composto sobre os
poemas de Wilhelm Mueller, e o primeiro é um de Boa Noite:
Gute Nacht
Cheguei como
estrangeiro
e como estrangeiro vou
embora.
…
não posso escolher
a data da partida
vou-me sozinho
em plena escuridão
…
de que servia esperar
até ser posto fora?
Parte,
então, depois de um amor frustrado, concluindo que o Wandern, o vaguear pelo mundo, é o que o amor impõe, é o que Deus
concede ao ser humano.
O
seu caminhar pela vida terá paisagem de neve, terá lágrimas que lhe escorrem
geladas pela face, terá esperança de algum repouso ( em vão ) sob a tília
sonhada, que já lhe ficou longe.
Ecoando
a Bela Moleira, na canção Junto ao
Ribeiro / Auf dem Flusse (n.7), Schubert retoma a imagem da água, mas que
não corre, pois tem sobre si uma capa de frio gelo que lhe impede o movimento.
Sendo
que o movimento é vida, esta capa de gelo alude aqui a um antigo amor que
terminou, um coração que arrefeceu e corre o risco de deixar de bater.
A
sequência é de saudade, por vezes evocando um passado mais feliz, como em Sonho de Primavera / Fruelingstraum (n.11) e
de desalento sempre, pois nenhum dos sonhos que o poeta sonhara chegou a ser
realidade.
A
canção n. 12 é explícita a este respeito: Solidão
/ Einsamkeit)
Encontro
nesta canção o eco directo do poema de Goethe ( Ein Gleiches), citado acima, e por isso a transcrevo na íntegra:
Solidão
Igual à nuvem sombria
que no ar leve se move
quando na copa dos
pinheiros
sopra uma brisa
ligeira
assim vou eu
caminhando
arrastando os pés
cansados
vendo os outros tão
alegres
e eu tão só a vida
inteira
Ah, como o ar está
tranquilo!
Ah, quão luminoso o
mundo!
No meio das trovoadas
não estava eu tão no
fundo!
A
ausência de um Deus mais generoso, que a todos distribua alguma felicidade, é o
sentimento geral com que se fica, chegados que somos ao fim de um ciclo em que
apenas um velho, (Der Leierman n.24)
tiritando de frio, que não é só do Inverno, mas também de um coração
abandonado, insiste em tocar o seu realejo: variante empobrecida da roda do
moleiro, da roda do universo, que esse sim, e só ele, insiste em continuar. E o
poeta ironiza: e se nos juntássemos, tocavas no realejo as minhas canções?
Mas
talvez a canção dos três sóis, Die
Nebensonnen (n.23), nos ajude a situar
melhor o estado de espírito de poeta e compositor. A tradução literal seria
Os Sóis Juntos, mas está estabelecido
traduzir por Os Três Sóis,nas versões em francês; mantenho
então o costume:
Os Três Sóis
Vi três sóis ao alto
no céu
mirei-os fixamente
durante muito tempo;
e eles permaneceram
quietos
como se não quisessem
afastar-se de mim.
Ah, não me pertencem
estes sóis!
Brilham para rostos
que não são o meu!
Sim, também eu tive
três sóis, outrora,
mas os dois melhores
já não estão mais aqui!
Que se afunde o
terceiro também no seu poente,
na escuridão estarei
muito melhor.
II
Sabendo-se
que Novalis e os Hymnen an die Nacht
(Hinos à Noite) foram lidos por Schubert na sua juventude, bem como os Cânticos Espirituais(Geistliche Lieder),
inspirando as suas composições de idêntico título, vale a pena evocar esses
textos que glosam a Noite como emblema de Morte, de tanta ou mais intensidade
do que os célebres ciclos de Rainer Maria Rilke, quase um século depois, nas Elegias de Duíno (1922) ou nos Sonetos a Orfeu (1922). O culto da noite
e da morte, em Novalis, depois do falecimento da sua jovem noiva Sophie von
Kuhn, atravessa como uma espécie de Missa Negra, a obra toda.
O
seu desejo é morrer, e encontramos nos seus Diários
entradas permanentes em que considera a hipótese de suicídio de forma muito
directa.
Nota-se
a dada altura uma evolução de pensamento, quando se converte ao Cristianismo,
ainda que de forma não completamente ortodoxa, pois é bebida, como também
podemos ler nos Diários, na obra de
Jacob Boehme. Intuída a noção de que todo o Universo é um Corpo, como diz
Boehme, um Corpo Único, ultrapassada a convicção de que com a morte tudo se
perdia, Novalis irá encontrar a sua consolação num amor universal e
transcendente, de que Cristo é o Emblema maior. O mesmo acontece com a
figuração do Eterno Feminino, a outra face de Deus ( a Shekinah dos místicos
Kabalistas) que Novalis celebra na Mãe Universal que é a Virgem Maria.
São
ideias salvíficas, que ajudam a moderar o tom negro da sua poesia.
Quanto
aos outros vários escritos, que ficaram incompletos, alguns em forma de
fragmento mais ou menos desenvolvido, outros apenas em notas e apontamentos –
permitem ainda assim acompanhar as suas preocupações filosóficas, poéticas e
artísticas.
Há
uma teologia da Natureza que defende, ao modo panteísta de um Schelling, uma
sociologia da Ordem, na visão de uma Monarquia Universal (A Cristandade ou a Europa) suporte de um Utopia que deveria ter
sido ampliada em Heinrich von Ofterdingen,
como resposta paralela ao Wilhelm Meister
de Goethe. Mas deste romance-fragmento o que nos fica é um Maerchen, um Conto (
talvez também em paralelo com o Maerchen
de Goethe) em si mesmo completo no interior do romance, e uma metáfora, a da
Flôr Azul, que fará caminho pelas canções de Shubert.
Interessante
é verificar como de uns autores para
outros , as ideias e os sentimentos se vão “contaminando”, as imagens mais
fortes ( por serem arquétipos universais, simbólicos) atravessam as variadas
obras, os variados tempos, e chegam até nós ainda carregadas de significação.
Os
criadores “falam” uns com os outros.
É
assim que descubro, na poesia de Helder Macedo, uma Viagem de Inverno, publicada em 1994, onde se estabelece um
belíssimo diálogo aberto com os poemas de Wilhelm Mueller que Shubert musicou.
Uma Viagem que faz de um poeta contemporâneo nosso um Viandante como os de
outrora, que na obra de outros encontrou o eco do seu caminhar pela vida e lhe
permitiu acrescentar a sua própria experiência (na vida como na poesia, não há
vivências iguais) de original contributo para algo que será eterno: a
consciência do menos que é mais, como diria Paul Celan.
Vemos
pelas epígrafes escolhidas, abrindo com W.Mueller, as preferências literárias
que foram objecto do estudo e da investigação do erudito que Helder Macedo
também é: assim nos surgem os cancioneiros medievais, Camões, Cesário Verde (Mestre
também de Fernando Pessoa), Camilo Pessanha.
E
eu acrescento, por Helder Macedo ter dado um contributo tão importante, à
época, (para o seu enquadramento místico e simbólico) A Menina e Moça de Bernardim
Ribeiro: nesta obra se bebem a Saudade e a Melancolia, como um atravessamento
permanente.
O
estudo de Helder Macedo, pioneiro, recebe o Prémio da Academia das Ciências de
Lisboa em 1977, depois da publicação em 1990:
Do Significado Oculto da
Menina e Moça,
uma obra, na minha opinião, para ler e reler.
São
igualmente 24, como em Schubert, os poemas da Viagem de Inverno de Helder Macedo.
Em
alguns responde directamente às metáforas da canção original.
Noutros
amplia o seu sentido, noutros ainda trabalha uma intimidade que ao ser
transposta se torna universal.
Se
no primeiro poema se coloca já no seu meio de vida, com uma reflexão à guisa de
balanço,
A
meio do caminho
a mais de meia vida já
vivida
reencontrei-me só na
selva escura
da vida indecifrada
e não sei de que lado
está a morte
e não sei se é o amor
quem a sustenta
no tempo
que chegou
de destruir
…. (p.11)
No
ultimo retoma com energia (talvez irónica, ou amarga) um cantar de dança de
roda que tem algo das danças da morte medievais, ou melhor ainda de uma balada
como a Lenore, de Burger, ou a Dança da Vida de um Munch
expressionista:
Bailemos amigas
que a dança acabou
os rios correram
a fonte secou
bailemos na noite
libertas do amor
sem nada querer
sem qualquer temor
bailemos irmãs
nos corpos sumidos
das jovens que fomos
nos tempo perdidos
bailemos que é tarde
para resistir
quando a madrugada
já não pode vir
bailemos meninas
de seios mirrados
com olhos vazios
e sem namorados
bailemos a dança
que a todos nivela
o filho o amante
a feia e a bela
e quem não quiser
connosco bailar
saiba que esta roda
terá de dançar
com velhos e moços
com monstros e mansos
com mancos e destros
com loucos e castos
terá de bailar
saiba que esta roda
pela noite toda
não há-de acabar
(p.35)
Pode
ser. Mas também existe a ideia de que os sóis poderiam referir-se a amores
vividos e passados, fazendo o poeta agora, no Inverno da sua alma, apelo a uma
escuridão tranquila, definitiva. Helder Macedo recorda, em nota a propósito,
que este sol negro poderia também ser uma evocação de Nerval (1808-1855) do
poema El Desdichado, e do “Sol negro
da Melancolia ”:
Je suis le
Ténébreux,-le Veuf,- l’Inconsolé,
Le Prince d’Aquitaine
à la Tour abolie:
Ma seule Étoile est
morte, - et mon luth constellé
Porte le Soleil noir
de la Mélancolie.
….
Nerval,
o grande tradutor do Fausto de Goethe
e de alguns dos mais belos poemas de Heine. E uma última possível
interpretação:
que
o terceiro sol seja o do poente, aquele que se deseja e supõe abismal, variante do sol niger dos alquimistas, o negro de alma que não é mais do que a
marca de uma profunda depressão, que em certos casos pode levar ao suicídio,
ficcionado ou real.
Numa
obra muito interessante,
FR: SCHUBERT, SA VIE, SES
OEUVRES, SON TEMPS…de Hippolyte Barbedette, Franz Schubert (Musicien), Paris, 1865 – é
referida uma carta do poeta Johann Mayrhofer (1787-1836) escrita em 1829, um
ano depois da morte do compositor, em que se descreve a vida que levavam em
conjunto, partilhando um apartamento que era “uma pobre mansarda” um sótão de
tecto inclinado:
“
Só tínhamos um péssimo piano, uma pobre biblioteca, mobília miserável, pouca
luz do dia! E no entanto passei lá as horas mais felizes da minha vida! Assim
como a Primavera alegra a terra e lhe fornece a verdura e o sangue, também a
força criadora do meu amigo alegrava e consolava os homens (…) O acaso, o amor
da música e da poesia foram a nossa íntima ligação. Eu escrevia e ele cantava”
(p. 29).
Mayrhofer,
que morreu oito anos depois de Schubert, atirando-se da janela do seu
escritório em Viena, foi com Mueller um dos seus poetas favoritos.
Conheceram-se em1814, e datam de 1824 as primeiras composições líricas
editadas.
Existem
dele 47 Canções, bem como os librettos de duas óperas: Die Freunde von Salamanca (1815), e Adrast (1819).
Era
Goethe quem comentava que o Romantismo era uma doença. E de facto, tanto o amor doentio de Novalis pela
jovem Sofie, como o de Mayrhofer por outra jovem, filha do seu senhorio ( um
amor não correspondido) dão o tom da melancolia e da pulsão de suicídio destes
artistas que Goethe admirava, mas de longe, do alto da sua Sabedoria, tendo já
ultrapassado o momento das paixões convulsivas.
Só
a título de exemplo, traduzo um dos poemas de Mayrhofer de que Schubert se
ocupou:
Abschied / Despedida
Para lá dos montes caminhais
passando por verdes bosques;
mas voltais sem companhia,
Então adeus! assim mesmo tem de ser!
Separações, um adeus ao que se ama,
destroçam o coração!
Espelhos de água, bosques, montes, tudo desaparece;
oiço as vozes ecoando em todo o lado.
Adeus! Oiço o lamento,
parte-se o coração,
no adeus ao que se ama;
Adeus! Fico a ouvir o lamento!
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