Sunday, March 15, 2015

Vôo Rasante

Sim, acrescentei um acento, no Post, que também ele pode voar, mas aqui antes envolve a proposta de leitura.
Para mim não há acordos, mas pode haver e aprecio a criatividade do designer.
 O título desta bela antologia é pois Voo rasante, sem acento. E os dois Oo voaram para o alto da capa, onde vibra um V grande vermelho, que nos chama a atenção.
Helena Vieira, que fez a coordenação, oferece-nos uma bela  proposta de leitura de poetas contemporâneos, alguns que já li e reconheço, como João Paulo Esteves da Silva, compositor, e que tem buscado na Palavra Oculta da Cabala judaica o sentido profundo, o mistério do Ser.
O seu poema, um ciclo, como se fosse um  hino, tem de ser lido lentamente. Com ele chegaremos a essa Árvore plantada no ar, de que falavam os místicos. Deu como título ao poema ( um cântico na verdade) UMA ÁRVORE DO CAMPO (p. 75 e segs.)
Não se trata do campo do nosso Alberto Caeiro, embora Pessoa tivesse também ele a sua árvore plantada no ar e os heterónimos possam ser vistos como ramificações ampliadas de uma busca perpétua. O poema de João Paulo remete para leituras do Antigo Testamento, para o Cântico dos Cânticos, e para a actualização de uma língua que se perdeu, na sua hermética simbólica, e que ele tenta recuperar. Recriou, no poema,  a Terra Prometida. O coração de judeu de que nos fala é o coração de um Paul Celan: só ele, na sua poesia ignorada durante tanto tempo, recupera o coração que é "madeixa" imortal, e abre a porta sagrada da Palavra aos outros sobreviventes.
Mas não é este o tom geral da poesia escolhida para esta obra: encontramos uma coloquialidade directa, em muitos dos poemas, expressão do dia -a -dia, com um experimentalismo que me leva a ir buscar à estante dos velhos amigos o volume da PO-EX, ou os caligramas da Ana Hatherly (poeta e pintora), para não falar dos exercícios poéticos ou performativos sempre inovadores do Alberto Pimenta. Podemos ler hoje, como líamos outrora, A IDADE  da  ESCRITA  de A. Hatherly
O que quero dizer é que a poesia é de todas as idades, para todas as idades.
Houve uma Antologia da Poesia Portuguesa de 1940-1977 - estava na hora de nos chegar às mãos uma Antologia recente, com poesia de agora.
E o que é o mundo de agora, para muitos destes poetas?
O da leitura em desassossego, o do trabalho, o das horas que pesam, ou que não contam, e também o dos sentimentos) sim, não há que ter receio de exprimir sentimentos) como descubro, por exemplo, em Pedro S. Martins, a páginas 135, ("és o que ao acordar mais procuro"...) ou nas páginas seguintes de Raquel Nobre Guerra, impetuosa, no ritmo e na memória coloquial e expressiva, sem recusar o "calão" do seu dizer.
Numa altura em que tanto se fala da incultura dos jovens, descobrimos, nestes poetas, uma cultura, clássica ou moderna, remetendo para leituras e reflexões que lhes alimentam a escrita.
Porque o vôo da Palavra é permanente, vem de longes tempos, das tabuínhas assírias (agora destruídas) até à muito mais recente ironia de um Chesterton, citado por Leonardo Gandolfi, na sua ESCALA  RICHTER (p.89-90).
Este é um dos poemas que gostaria de citar por inteiro, mas perdoem-me os leitores: comprem o livro e leiam!
E há mais tantos outros...vou lendo, e por aqui andarei de certeza, vamos falando, com tempo.



5 comments:

hmbf said...

Estranho, parece-me que voo sempre foi sem ^. Isto sem AO.

Yvette Centeno said...

Eu aprendi com ^, mas repare eu sou já tão antiga....
, é o acento que fecha neste caso a primeira vogal.
No verbo voar, onde não há acento o "o" é lido como "u".Mas na capa fica lindamnete tal como está.
Irei ver ao dicionário da Maria Amália Vaz de Carvalho (antigo...) como ela escreveu!

Yvette Centeno said...

Ora bem, tem razão, só encontrei o Cãndido de Figueiredo,
e escreve VOO (VÔ) deixando assim entre parênteses a indicação de leitura...precisava do outro dicionário, que agora não encontro.
Mas veja: para quem diz que a pronúncia não se altera, com o AO, aqui temos um exemplo de como se altera, pois neste dicionário teve de se deixar a indicação de leitura que o simples acento resolvia...
Obrigada pelo comentário

Yvette Centeno said...

Acabo de ver que este dicionário que tenho aqui é já uma reedição, actualizada....da Bertrand .... fiquemos na ideia de que cada qual faz como quer...e pronto! Ainda me lembro de não aceitarem o meu Y no nome, quando a minha madrinha, francesa, mo deu.
E ainda tenho papéis em que mo põem com I...
Nem discuto, mas sou como o Pessoa, da minha mão nunca sairá o Y !!!

hmbf said...

Pois. :-) Eu aprendi sem ^. Enfim, o AO que se dane.