Saturday, August 18, 2012

A RUA

Na rua larga passeiam as mulheres
que arrastam pelo chão
o último vison e a última visão

casas fantasmas de tectos ideais
emergem da noite em nevoeiro
vermelhas azuis verdes amarelas
recém pintadas fugidas dum tinteiro

duas crianças brincam no passeio
duas crianças sós e sem asseio
mas com passeio largo
reservado para elas

ratos e gatos
jogam ao polícia e ao ladrão
e um cão de guarda fuma
o cachimbo da paz
que segura na mão

há sinfonias demasiado completas
a dançar no ar
(nuar: verbo irregular;
eu nuo, tu nuas, ele nua, nudismo geral)
e por toda a parte cavalgam
os cavalos de Chagall
transpondo o arco-íris de todo o pensamento
que é realmente mento
porque só pensa é fácil
o difícil é o verdadeiro e completo
pensa-mento
(mente? pergunta alguém
não mente, mento)

no restaurante há omelettes em chamas
servidas por bombeiros voluntários
e as banheiras estão cheias
de afogados mentais

a lápide de inscrição no cemitério
 diz apenas
a vida não deu pra mais!

(in Opus 1, ed. Ática, 1961)




1 comment:

Anonymous said...

Belo poema!