Sunday, March 09, 2025

Bob WILSON e Fernando PESSOA SINCE I'VE BEEN ME

 Vejo logo na folha do programa o nome de Maria de Medeiros. Alegro-me, para logo depois, quando o espectáculo começa e à medida que avança, lamentar que Wilson não tenha procurado mais a sua inteligência, cultura pessoana e sensibilidade artística, para o ajudar na construção desta peça que fica ente a definição do vaudeville francês, do cabaret alemão, ainda da Berlin expressionista, e o que não chega a acontecer  mas podia, os quadros soltos da revista à portuguesa. Cada momento definido por uma grande explosão ( alusão à guerra que corre, ou que ocorreu,  no tempo do Modernismo?) Não interessa responder.

Wilson está nesta obra para lá das definições. Quando muito podíamos dizer é uma apresentação post-post modernista, servida pelo nome de um dos nossos maiores poetas, a seguir a Camões.

Então Pessoa: para nos localizar, mas como não terá continuação no pensamento nem na reflexão que implica, uma citação em inglês atribuída ao poeta na hora da morte, ou perto disso: uma frase de leit-motiv:

I know not what tomorrow will bring, que se encontra num dos papelinhos soltos da Arca.

Pois o amanhã de Pessoa foi sempre - terá sido sempre - uma surpresa, trazida pela boca do heterónimo Mestre Alberto Caeiro (o mais Pessoa de todos, talvez) Ricardo Reis, Álvaro de Campos, com a célebre frase recuperada aqui de que todas as cartas de amor são ridículas, depois de uma rápida alusão à Ophelinha por meio de uma carta erguida ao alto no rosto de um actor e finalmente  Bernardo Soares, o genial autor  do LIVRO do DESASSOSSEGO, conceito-chave que muito pedia desenvolvimento (no pensamento e na obra de cariz hermético e filosófico) e de que existe uma excelente tradução inglesa, que podia ter sido mais usada, em vez do que ali vai acontecendo,  a escolha aleatória de frases soltas do google que ilustram não o Autor, mas a experiência  estética e sempre colorida do Encenador, na sua mão livre de segundo criador naquele contexto.

Sim, sabemos que é isso o post - modernismo. Não há uma escolha necessária nem uma apresentação de continuidade e coerência obrigatórias, que imponham outra forma de leitura. As formas serão livres, como aqui se vê com Bob Wilson, e desligadas se tal apetecer, do conteúdo previsto, ou mesmo quase imposto pelo primeiro criador, neste caso Pessoa.

O título da peça já nos dá um sinal - "since I've been me " - desde que fui eu.

Melhor seria adiantar logo (mas sou eu, mais racionalista e menos post-moderna) desde que deixei de ser. 

Porque é isso que acontece: com o passar do tempo, e a evolução dos modelos de criação e análise (o século de Pessoa é feito de um resto ainda do século 19 e de um assumido modernista século 20 ), divergem muito do actual século 21 em que estamos e já a caminho do 22, com a IA.

Quanto mais se lê e relê a obra de Pessoa mais se descobre e mais apetece falar sobre ela, que é toda pensamento e não literatura para compêndios escolares. Pensamento agilizado por leituras de clássicos, os gregos até aos renascentistas - veja-se o que nos diz sobre um Shakespeare Rosacruz, por filósofos herméticos, como um Thomas Vaughan alquimista, irmão do outro Vaughan, poeta - e sobre as origens da Maçonaria até ao seu sonho de definir um sistema que ergueria um novo Templo de sabedoria. A relação com Vieira e a História do Futuro, tudo leituras para a sua formação e pensamento e para o nosso, é claro, ajudando a compreender melhor o que ele foi e será, nunca deixando de ser, afinal o que é. Um criador absoluto? Um iniciador pouco reconhecido, a não ser pelo Mago Crowley, que o visitou em Lisboa, deixando outro conceito fundador, o da AURORA CONSURGENS, com origem num antigo tratado atribuído a São Tomás de Aquino no seu leito de morte. A Golden Dawn constituiu-se como Ordem alquímico-mágica secreta, a que os filiados nela viriam a obter, pelo conhecimento das várias obras de Crowley, um estatuto mental superior. Enfim.

A peça não deixa de merecer ser vista e apreciada, quando se gosta, como eu, de Bob Wilson e seu imaginário libérrimo (como ele diz numa entrevista sobre Einstein on the Beach com que começa a carreira num teatro de Brooklyn, reparem não está lá nenhum Einstein...), um título é só uma frase, não obriga a nada, e Bob Wilson não se sente de facto obrigado a nada a não ser à sua imaginação criadora que algum outro de repente libertou. 


  


 


 

No comments: