A Mulher e o Gato
Reparo primeiro na mulher.
Sentada no seu jardim
com jacarandás já floridos
à sua volta tudo ainda era seu
e ela uma incarnação renovada
traços tão estilados sem uma ruga sequer
nada que lhe abalasse a voz
no momento de responder.
Estava a ser entrevistada, sem temor da sua imagem
que não seria deformada, promessa feita e cumprida
naquela tarde tão livre, tarde tão sossegada
que o tempo lhe tinha dado
e ela agora aproveitava sem saber ainda ao certo
que destino o tempo lhe reservava.
Orgulhosa de si
também pouco lhe importava,
dizia na entrevista tive tudo o que queria
que mais posso desejar?
Ao seu colo um gato enorme
dos que o meu filho, que tem um igual ao dela
chama de gato leão, também ele incarnação
do livro dos mortos egípcios
antigo guarda do templo que agora a guardava
a ela, quem sabe sacerdotiza da antiga religião
que nela se revelava.
Não era o gato de Alice, o quântico imprevisível,
era o gato que à mulher se agarrava como criança
perdida e que dela dependia na sua nova função.
Mal lhe cabia no colo, mas tinha a pata bem firme
bem junto ao pescoço do mimo, com a cabeça encostada
que beijava para lembrar que era ele o guardião
a mulher a sua presa, livre do templo de outrora
onde ambos ainda vivos viviam em comunhão.
Agora a vida era outra, mas não se engane ninguém,
a mulher não era a dona, era o gato o seu senhor
que dava calor e mimo, e a protegia dos medos
que de noite a afligiam e a enchiam de terror.
4 de Maio, 2024
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