( nasce em Lisboa, em1890 -
morre em Paris em1916)
Abrindo um dicionário de
Literatura Portuguesa, como o que teve direcção de Jacinto Prado Coelho com
colaboração de vários especialistas, encontramos traços da sua biografia que
ajudam a compreender melhor a sua necessidade, logo quando jovem, de sair de
Portugal e buscar inspiração poética noutro meio cultural: a França, em Paris,
onde já vibrava a criação da pintura e da literatura Modernista, desde os
primeiros Manifestos do Futurismo de Marinetti, de 1909.Era filho e neto de
militares, estudou Direito em Coimbra, de1911 a 1912, desilude-se com o curso,
e parte para Paris onde ainda tenta, sem sucesso e sem vontade, continuar os
estudos.Vivia da mesada paternal que,
quando lhe falta, o leva a escrever para os amigos portugueses a pedir dinheiro
emprestado.Desses amigos - mas também
eles pouco endinheirados, faziam parte Fernando Pessoa e outros.Destaco Fernando Pessoa
porque durante os anos de exilio, e até ao seu suicídio, é com este poeta (
fundador, como ele, do projecto da Revista Orpheu) que Mário de Sá-Carneiro
troca uma corrrespondência regular, de carácetr íntimo, onde revela projectos e
anseios, sobretudo o de se tornar uma voz incontornável na revolução e
renovação da criação literária portuguesa.Escreve ficção, teatro,
poesia.Em França já imperava Rimbaud,
e o seu simbolismo, Pessoa refere-lhe Camilo Pessanha, enquanto lia Walt Whitman,
o Futurista Álvaro de Campos espreitava, e Mário, em Paris, entregava-se à
pulsão de viver o imaginário desordenado, nihilista, que diremos de
"boémio", como se diria na época.A leitura da correspondência
revela a permanente inquietação, insatisfação, de sonhos nunca alcançados, nem
na vida nem na obra.Dispersão é
um poema que define bem o seu estado de alma, enquanto sem que talvez ele se
apereceba por completo, instaura um novo estilo, precisamente o do Modernismo,
em que o fragmento, o cruzar do real e do imaginário, na memória e na
saudadeora do passado ora até do
presente, que se torna irreal, permite que ele se defina como o que há-de ser:
um Menino, um "menino
ideal".Por isso este poema, todo
feito de contradição, oposição, movimento, como no cruzar dos futuristas de
França, introduz bem o outro poema, O Recreio,
em que o próprio movimento para trás e para frente do baloiçoexprime hesitação, ausência
da firmeza que evitaria, se existisse na alma do poeta o afundar de súbito no
poço, imagem que surge logo na primeira estrofe, no terceiro verso...O poeta vê-se como
"menino de bibe"(que
certamente, outrora, em casa usou, como era hábito), mas logo adiante a
meninice se perde, descrita a criança como criança afogada, porque a corda (da
vida) se partiu.Este não é um poema em que se
descreva a experiência feliz de uma infância protegida.Esta criança está, no seu baloiço, suspensa sobre o escuro do abismo.E quando o poeta modificando o estilo, introduzindo um termo mais coloquial (a estopada) a maçada que seria trocar a corda, claramente expressa o que lhe vai na alma, percebemos que o seu cansaço de viver é maior do que o seu amor à vida, à própria vida..."mudar a corda era fácil...Tal ideia nunca tive..."
Lido a uma luz diferente, do que poderia ter sido um Puer Eternus, na definição de Marie-Louise von Franz, diremos, em conclusão que este poeta, por um lado tão inovador em parte da obra, não conseguiu, nem pela energia solar que conduz o puer eternus, eterno criador, interiorizar o arquétipo, fundindo-se com ele.Em vez disso, se formos ler outro poema semelhante, Caranguejola,o que se desecobre é, no desejo de ficar para sempre na cama, no quarto que não se abre a ninguém, bem enrolado em cobertores, um regresso quase "fetal" antecedendo a expulsão do nascimento, do parto que seria da Obra, como da Vida. O estilo em que se exprime já tem marcas do Álvaro de Campos ou mesmo do Pessoa que recusam o óbvio, o próprio, tudo o que seja herança de rotina, a voz torna-se até pretensamente banal, : ler é maçada, etc.etc.; mas há enorme diferença, porque enquanto Pessoa e cia, buscam aberturas para o caminho (mesmo para o oculto) Mário assustado hesita, foge, esconde-se.Pediu demais e teve o que queria? E foi com o excesso que afinal se perdeu? Algo de semelhante se verifica com Rimbaud, que tão cedo deixa de escrever.
Mas aqui entraríamos por muitas outras questões que não são de referir neste momento.
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