Monday, March 26, 2012

António Tabucchi

Agora o seu rosto será visto, um pouco por todo o lado.
Por uns dias, por uns meses.
O que farão dos seus livros?
Haverá Bibliotecas, ou Escolas, a comprá-los?
E os amigos a quem dedicou alguns, irão às suas estantes procurá-los, para reler ou dar a outros para que leiam também?
Deixarão na mesa de cabeceira este ou aquele preferido? Reparando na caligrafia delicada das  generosas dedicatórias?
E antes de adormecer recordarão a suave melancolia do olhar?
Um olhar que desvendava o mundo: na sua beleza, na sua mesquinhez.
O rigor da palavra não era nele um artifício da arte, era o prolongamento natural do seu rigor de carácter, limpo, sem hipocrisias.
Descreveu em Afirma Pereira um país, Portugal, nas décadas de 30-40, onde uma burguesia de pequenos funcionários olhava à sua volta com suspeição, e muita reserva feita de temor.
Temor que a constante presença da polícia política quase justificava.
Digo quase.
Porque há momentos em que a dignidade obrigaria ao protesto, e ao exemplo.
Há na vida e na obra de Tabucchi esse  apelo ao exemplo, e sinto que tanto mais haveria a aprender com ele, se não nos tivesse deixado, em plena Primavera.
Passaram mais de dez anos sobre um belo Colóquio de Homenagem, na Fundação Gulbenkian: e António, amigo de filósofos, pintores, poetas, eruditos, tradutores, ali conviveu com eles, reunidos em breves quatro dias. Agora penso que deveriam ter sido  anos, e não dias. 
O Tempo foi afinal muito severo com ele, a Parca estava atenta, e ciumenta. Aguardava o momento, que chegou num dia de Primavera enevoada. 
António cedeu e foi com ela, nós ficámos mais sós e ainda mais pobres.

2 comments:

ana said...

Muito bonita esta homenagem.
Também me fez impressão ter partido na Primavera, altura em que tudo renasce.
Nunca li Requiem mas já o arranjei numa alfarrabista amiga.
Boa noite!

Yvette Centeno said...

Nocturno Indiano é outra obra-prima, se desejar ler mais...