Continuando com a revista, sugiro agora a leitura de um haiku de José Carlos Barros:
O Vento
O vento dos poemas
não faz mexer
uma folha.
Outro poema, de um pseudo-neorealismo de humor subtil, de Luis Filipe Parrado:
Teoria da Narrativa Familiar
Naquele tempo o meu pai trabalhava
por turnos
como herói socialista
no sector siderúrgico
e dormia com a minha mãe.
A minha mãe esfregava
a sarja encardida:
a água ficava da côr da ferrugem.
Havia, por perto, um cão
esgalgado,
sempre a rondar.
Depois a minha irmã nasceu
e eu fui obrigado
a rever a minha mitologia privada do caos.
Entre uma coisa e outra
aprendi a mentir.
E isso, não sei se sabem, mudou tudo.
Para além do "discurso" o interessante no poema é o fecho que nos deixa em suspenso: a aprendizagem da mentira que mudou tudo.
Não sabemos e não ficaremos a saber o que que foi que mudou: a ideologia que supostamente formara o poeta? O seu olhar sobre o mundo perturbado pelos caos de uma outra presença ( a irmã que nascera), ou muito simplesmente a adolescência difícil (todas as adolescências são difícieis) e em que a mentira é uma forma de preservação do sossego interior?
Não sabemos, e pouco importa, o mistério é da natureza do poema e é a razão do poeta.
Outro poema, do mesmo autor:
TUDO O QUE O MEU PAI DISSE QUANDO AOS QUINZE ANOS DECLAREI EM FAMÍLIA QUE IRIA COMEÇAR A ESCREVER POESIA
"Antes
de te sentares
à mesa
lava bem essas mãos".
1 comment:
Belíssimas "criaturas".
: )
Obrigada Yvette.
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