De 2005, mas que nunca perderá actualidade, o estudo de Robert Bréchon sobre Henri Michaux:
HENRI MICHAUX, La poésie comme destin, ed. aden.
Proposto como Biografia, é mais do que isso.
Bréchon, já no seu tratamento da obra de Fernando Pessoa nos habituara a uma linguagem erudita, de bom conhecedor (porque amando a obra daquele que nos apresentava) sem contudo perder a elegância, a fluidez do discurso.
O que fazia, no caso de Pessoa, como agora no caso de Michaux, o exercício do estudo e da leitura algo de muito sedutor.
Os franceses são sedutores e Bréchon, neste seu livro, é sedutor em extremo. Abre-se, lê-se sem mais interrupções, capítulo a capítulo, até chegar ao fim.
Conta, como que em conversa de mesa de café, como descobriu Michaux, como o leu pela primeira vez, como veio depois a conhecê-lo pessoalmente, sem que por isso se tenham tornado de facto amigos íntimos.
Com que facilidade, morto Michaux, celebrado no mundo, editado, reeditado, traduzido, exposto em galerias e museus (era pintor e a sua obra neste campo não era de menor importância) poderia Bréchon fazer desses encontros algo de superiormente marcado e marcante, para ambos:
Mas não; de honestidade intelectual exemplar, parte dessa elegância de ser de que falei, Bréchon diz simplesmente que Michaux a ele o impressionou e arrebatou pela obra, como pela personalidade, só aparentemente frágil (tinha um sopro cardíaco), mas que nunca chegaram a ser amigos íntimos, no pleno sentido da palavra. E conta o episódio dos convites para tomar chá, que aceitava, acompanhado às vezes pela sua mulher:
"Il la recevait avec une exquise courtoisie, devant une tasse de thé presque incolore.
Elle était fascinée par l'extrême distinction de cet homme, proche de la soixantaine...
d'une présence légère et diaphane, avec pourtant des éclats de voix, des chuchotements, des rires étouffés".
A alegria dos encontros perdia-se à medida que se aproximava a publicação da obra prevista de Michaux. Era, no relacionamento com os editores, um autor difícil:
"J' étais pris entre les exigences de Mallet (o editor) qui avait conçu pour les volumes de la collection un plan type auquel chaque auteur devait se conformer, et celles de Michaux, dont le mot préféré était non".
E segue a saborosa narrativa, entremeada com referências à obra, marcando de forma sensível os grandes temas que seriam para sempre centrais e vitais no decurso da vida de um criador que, ao contrário do que sempre julgara, viveria até bastante tarde.
Um dos poemas citados logo de início põe a nú essa preocupação, de hipocondríaco-poeta, com o corpo:
Je suis né troué
Il souffle un vent terrible.
Ce n'est qu'un petit trou dans ma poitrine
Mais il souffle un vent terrible.
(...)
Ah! Comme on est mal dans ma peau!
(...)
Et c'est ma vie, ma vie par le vide.
S'il disparaît, ce vide, je me cherche, je m'affole et c'est encore pis.
....
Nasci furado
Sopra um vento terrível.
É só um buraquinho no meu peito
mas sopra lá dentro um vento terrível.
(...)
Ah, como se está mal na minha pele!
(...)
E é a minha vida, a minha vida pelo vazio.
Se desaparece, este vazio, procuro-me, assusto-me e é ainda pior.
Bréchon refere-se a este poema e a um outro (Nausée, ou C'est la Mort qui Vient), como expressões do "sofrimento ontológico de Michaux", ao fim e ao cabo "o único tema da sua poesia"; e acrescenta:
"il souffre du manque d'être, qui est l'envers d'un excès d'être" (ele sofre da falta de ser, que é o reverso de um excesso de ser).
E não dizia já Paul Celan, que "tudo é menos do que é/ tudo é mais " ?
Em Michaux tudo é mais.
E Bréchon, poeta, além de ensaísta notável, é o guia perfeito para esta leitura-aventura de alma.
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