Friday, January 12, 2007

INEZ WIJNHORST



Uma história bem contada, a propósito da arte de Inez no nosso País das Maravilhas, tem de começar pelo princípio.
Inez trocou a sua Holanda natal, de subtis cambiantes, pela luz mais crua e aparentemente mais pura de Lisboa.
Lisboa onde Fernando Pessoa viveu o seu exílio de alma, Lisboa que quase não é pátria de ninguém que ame verdadeiramente a arte: os que amaram tiveram de fugir. Amadeu foi um deles, Arpad e Vieira da Silva foram outros, a tão celebrada hoje Paula Rego foi crescer e amadurecer para Londres, enfim são muitos os exilados e poucos os escolhidos para a mesa faustosa da celebração.
Mas a aventura de Inez processa-se ao contrário. Ela escolheu, e segue o seu caminho.
Tal como Alice, Inez espreita o que se passa atrás do espelho: o seu olhar detém-se ora nos pormenores triviais da vida moderna, como é o caso em REAL ESTATE ROBBERY, que define como " pisar a fronteira entre privacidade e voyeurismo" ora mergulha na profundidade do inconsciente arquetípico dando-lhe expressão literária e imagética que surpreende pela originalidade da linguagem que propõe. Refiro-me à colecção dos desenhos de UMA HISTÓRIA MAL CONTADA.
Não podendo colocar no blog a série transcrevo a título de exemplo dois momentos, dois poemas, que funcionam em separado se assim quisermos, ou em conjunto se o nosso gosto e a nossa empatia nos levar a construir a nossa história íntima também a partir deles.

" no caminho de A para o B
naquela estrada longa
que une o inferno ao céu
a alegria e a perda, a inocência e a decadência
existem outras histórias
sem limites ".

Esta a escolha dos textos, esta a escolha do caminho, que simbolicamente levará a uma unidade dual e desejada.Porque o segredo e o fascínio da obra de Inez é precisamente que ela reúne opostos e contradições, não exclui, mas descobre e aponta, reinventa e recupera para de novo abrir caminho. A criação é um continuum, nada da sua herança cultural se perde ou se rejeita, os seus desígnios são firmes e são claros, o seu suporte é o dos valores da arte universal.
Também por aqui passa o nosso e dela desassossego : como é Pessoana a sua inspiração...

" quatro meses depois, com
saudades de dançar
procuram casa em Lisboa
e pensam duas vezes
na produtividade e nos mecanismos de flexibilidade
na contaminação genética e na co-incineração de lixos perigosos
no desassossego
e na imposição de horários
(quase ) tudo incerteza.
o futuro, a mediocridade".

Uma discreta ironia a protege, impedindo que se feche naquele autismo complacente de tantos criadores conhecidos, que já nada procuram e por isso já nada mais descobrem. Cadáveres adiados...diria o nosso poeta, o eterno insatisfeito eternamente votado às citações eruditas das efemérides.



Inez Wijnhorst traz um sopro de vida à melancolia dos tempos.
E uma chamada de atenção. JACOBS LADDERS, a série das Escadas de Jacob, de pedras , de cordas, de espinhos que deixarão marcas de sangue, é uma profunda chamada de atenção para os mistérios da vida e da morte: vive-se lutando com o Anjo, morre-se da sua ausencia se não tivermos a coragem de lutar. Este é um forte aviso, um forte apelo à interioridade mística. Ou melhor, mítica, universal, e mística, pessoal.
Assim vai Inez, no seu caminho de cordas e de estrelas.

4 comments:

Bruno Santos said...

De A para B vai todo um alfabeto. Um Alef Bet. As outras histórias são as das outras 20 letras. Mais os dez números. Permita-me que registe a minha inquietude com este seu texto.

Yvette Centeno said...

Caro Bruno,
A inquietude é o que amplia a alma.
Sugiro que visite o site desta pintora, em www.inezwijnhorst.home.sapo.pt
e leia um pouco mais em simbologia e alquimia.
Obrigada por ser leitor atento.

Bruno Santos said...

O trabalho da Inez é admirável, muito embora o veja à escala e à distância que a máquina digital que tenho ao colo permite. O seu texto, imune a essa distorção, amplia o mundo de Inez e, mais do que isso, oferece-lhe outros mundos.
Não me foi possível não lembrar um ou dois parágrafos não sei de que diário, em que Pessoa expressa o seu medo da loucura. Ele que subiu e desceu essa escada com a tenacidade de um bombeiro.
A Escada, o místico como lugar contraído do mítico, o arquétipo como estrutura simultaneamente absoluta e relativa dos seres, é o que ainda me inquieta. Não leve a mal que lho diga aqui, fá-lo através de uma solidão do tamanho sonhado do universo.
Vejo Pessoa trepando os degraus e, a dada altura, parando e olhando para baixo. Esse terá sido o lugar do seu medo.
Vejo um pouco disso na Arte de Inez, uma paragem à entrada da Ágora, sem que isso lhe retire a merecida possibilidade de olhar esse vazio e de o transpor como se apenas de um degrau se tratasse.
A Arte de Inez vive sob o poder do quadrado. A Escada de Jacob, o seu mais próximo momento, parece indiciar uma libertação. Talvez em direcção ao triângulo e ao círculo, como preconizava a adormecida Bauhütte, os mestres Almada Negreiros e Lima de Freitas. Um lugar sem nome, enfim.
Que sorte a minha esta busca da Inez.

Rute Ol said...

Só, agora, descobri a obra de Inez Wijnhorst e foi graças a si Yvette Centeno. É deslumbrante :)




Obrigada.