Ler, pintar, trazer um brilho azul evocador de Yves Klein para um Jardim especial: eis o que fez o pintor José Manuel Castanheira numa instalação de segredos e sussurros, ligando pelo fio da memória, em folha branca, o que a vida traz consigo, bago a bago de romã, que foi suspendendo no ar. A vida atravessada por uma luz azul, que é luz do Verbo, que é luz de palavra confirmada. O seu segredo: o do tempo, que ali se tornou espaço, como no Parsifal de Wagner.
É-me difícil falar, porque a sua obra, de concepção tão lírica e subtil, me foi imerecidamente dedicada. São as longas amizades, as de sempre, que ali são evocadas, em traços que mal se adivinham no branco que as acolhe.
Deixo então o meu gesto, gesto grato, de passeio por entrega a tão belo Jardim, a descobrir no Festival de Almada deste ano de 2018.
O Jardim
Para o José Manuel Castanheira
O Jardim estava ali,
atrás do brilho azul
de uma cortina
que o Anjo segurava.
Ao pôr-do-sol
o Anjo abria a cortina,
via-se então esse Jardim secreto
e a árvore desse pomar
só de romãs fechadas.
O Anjo, paciente,
aguardava tranquilo
as chuvadas do Outono
e os bagos de rubi
que as romãs ao abrir-se
deixariam cair.
Apanharia os bagos,
devagar, um a um,
como quem conta os dias
contra o tempo.
Pois o Anjo sabia:
contado o tempo
o brilho azul do Jardim
logo se apagaria.
Y.K.Centeno
Lisboa, 2018,
celebrando os 35 anos do
Festival de Almada
3 comments:
Belo!!!!!!!!!!
Belo!!!!!!!!!!!!!!!!
Foi grande a emoção, ao passear por ali, como quem passeia pelo Jardim do Éden...
Penso nas romãzeiras: fruto generoso, que se abre à vida, bem diferente da maçã, que se trinca fechada e traz logo castigo...
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