Em dia que parece meio chuvoso, uma chuvada de alegria e felicidade risonha.
De Cristina Rodo, o seu livro FELICIDADE não é para quem pode, É PARA QUEM QUER!
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Lançado agora, tem uma capa quase marítima, um lettering que também foi desenhado pela sua mão, tamanho ideal para pegarmos nele e abrirmos ao acaso, lendo as matérias sobre as quais ela filosofa, como se faz num blogue, em prosa curta e enxuta - a maior qualidade que se pode desejar nos nossos dias, de tanto palavreado fútil, que servirá para vender, mas certamente não para pensar, ou ajudar a pensar. Cristina, como se vê logo na foto da badana em que se apresenta, informalmente, tem o à vontade de quem já andou um pouco pelos caminhos da vida, com o sorriso e olhar malicioso de quem não faz tenção de parar, e ainda bem: espero que sejam os caminhos da escrita, e da felicidade que um livro dá a quem o QUIS escrever e editar.
Recupero uma citação de Walt Whitman, que Cristina colocou em epígrafe antes do texto de CARPE DIEM:
" Felicidade, não noutro lugar mas neste lugar...
não noutra hora mas a esta hora."
Porque ela tem um blogue, aqui deixo a indicação:
sopadeideias-cr.blogspot.pt
Read and be happy!
Leiam para viver melhor...
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Ainda no livro da Cristina Rodo, aqui à minha frente.
Não se enganem com a palavra felicidade, só porque estará na moda: quem é que não deseja ser feliz? Mas quem saberá ao certo o que é a felicidade, ou o sentimento de ser feliz?
Mais uma comprinha foleira? Não, embora eu concorde que uma comprinha ainda que foleira pode alegrar a alma, e alegra, quantas vezes... Como em tudo, trata-se-se da pessoa e da sua circunstância. Daí aquela velha piada de que o dinheiro não dá felicidade, mas também não tira...ajuda....
Ou não.
Cristina, deste ponto de vista, dá ao seu leitor um exemplo feliz: recolhe o que sentiu, o que pensou, o que escreveu, e sem mais considerações que não esta, avisa que falará de si - que é o que fazemos todos nós, os que escrevemos. Escrevemos antes de tudo para nós próprios, para nos entendermos, e quem sabe se, a partir do que escrevemos, alguém que nos leia venha a entender-se também.
E então terá sido útil o nosso esforço de divulgar. Porque é um esforço, entregar-se aos outros, assim abertamente.Vou concluir, porque vou continuar a ler.
Há aqui uma lição: chegados ao meio da vida (que já ultrapassei há muito) de que modo vamos continuar? Eu que já passei por muitas fases, de grandes, pequenas e médias alegrias, de pequenos e grandes e médios sofrimentos, entendo o que Cristina nos diz, na sua prosa directa e despojada (como eu gosto).
A felicidade, isto é, viver e saber-se que se está vivo e a vida segue em frente, não é uma questão de poder, é uma questão de querer. Sentir a força interior, que todos temos, e fazer em cada momento a escolha do momento. Viver o presente. Haverá melhor sentido para uma vida que se quer bem vivida ?
Para então, finalmente, ser feliz, por poder e querer.
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Num livro de momentos soltos, bom é também reencontrar alguma coisa do nosso próprio passado, no passado do outro. Por aí se estabelece um dos laços que importa: saber que afinal somos todos de uma mesma espécie, esta, das criaturas humanas, crescendo em perplexidades, medos, certezas ou interrogações.
Quando éramos pequenas eu e a minha prima Eduarda em Tavira, em casa da minha avó Rosa - um casarão enorme, era na cozinha que nos sentíamos melhor protegidas - só íamos para a cama, bem longe da sala dos "grandes" quase à força. A cozinheira era quem nos levava pela mão. Ao atravessar um corredor, também imenso, sussurrava: hoje é lua cheia, e anda um espírito à solta, as meninas não saiam da cama. É um Fleco, cuidado. E pode haver outros... Eu tentava sacudir os arrepios de medo e já muito didáctica explicava : são reflexos, são reflexos da lua nos vidros, não há flecos...mas de verdade metia-me na cama, olhos bem fechados, não fosse aparecer alguma coisa estranha e tivesse de chamar pela Eduarda, na cama ao lado. Eu acredito no mistério, logo a começar pelo próprio mistério da existência...Não ando eu por aqui? Não andamos nós todos?
A sensação do mistério habita as memórias da infância, e Cristina, com humor, evoca num dos textos uma dessas: a do vaso voador que ora caía sem se partir, ora mudava de lugar, durante a noite, como se algum elfo andasse por ali a pregar partidas à família. Mas de verdade era ela que reparava e dava mais atenção. Precisarei de lembrar que toda a escrita nasce da capacidade de dar atenção?
No meio-dia da vida o querer impõe um olhar tão íntimo e ao mesmo tempo tão despojado, memória de balanço, de permanente recomeço...... só simples numa primeira abordagem.
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Ocorre-me de repente um dos meus autores favoritos: Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge.
Narra a sua estadia em Paris, secretariando o desagradável Rodin, escultor genial (mas o artista é uma coisa e o homem pode bem ser outra), uma cidade que descreve com as suas ruas de miséria, rostos envelhecidos que se desfazem perante o seu olhar, cidade em que há hospitais mas não há hospitalidade, e ao longo das páginas vemos que vai cruzando, na sua narrativa, as suas memórias de infância, e entre elas o mistério e o espanto do que na casa do Coronel Brigge acontecia.
Este livro, editado em 1910, escrito ao longo de 1908, é, junto com outros, por exemplo os de Joyce ou de Virginia Woolf, a marca fundadora do chamado Modernismo na Europa. A escrita, depois deles, nunca mais voltou a ser a mesma.
Por que razão vou buscar a minha memória de Rilke? Porque nesta obra aparentemente de leitura directa, tudo se cruza, na memória e nos fios que ligam passado (o da infância e juventude, na casa do Coronel) e o presente. Paris é o presente, sofrido, excepto quando visita no Museu de Cluny as tapeçarias da Dama da Licorna, e se detém perante tanto mistério e tanta beleza contida. Passo adiante as reflexões sobre o que é o amor, a propósito das célebres Cartas da Portuguesa, que ainda hoje se discute se serão mesmo dela ou do cavaleiro francês que terá amado e as terá escrito. Mas do passado lhe virá a força, que só a memória concede, para ajudar a viver.
Cito Rilke, pelo puro prazer de repetir:
"Aprendo a ver. Não sei porquê, tudo penetra em mim mais profundamente, e não permanece onde, outrora, tudo acabava. Tenho um interior que ignorava. É para aí que tudo vai, agora. Não sei o que lá acontece".
Pois bem, aprendamos a lição, dada tão ao de leve, pela Cristina Rodo: todos temos um interior que ignoramos. É para aí que tudo vai e tudo pode acontecer, quando queremos.
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