Rui Zink nunca deixará de nos surpreender.
É da sua natureza. Edita, com ilustrações de sua mão, um texto elaborado sobre uma série de diálogos incisivos, directos, já preparados para algum palco imaginado, despido e sem concessões.
Começa logo pelo título, enquanto não nos dá a obra.
Osso, que espécie de osso nos atira, com que restos de personagens, ideias, pensamentos, situações (a carne). Com que subtis brincadeiras de linguagem.
Num dos seus livros anteriores, A Instalação do Medo, quanto mais eu ia lendo, mais Kafka e o seu Processo me vinham à memória, pelo adensar de um ambiente que atravessava o diálogo e nos transpunha para uma realidade que, sem o sabermos, já era de facto a nossa.
Vivemos esse medo e agora surge este Osso : será o último resíduo do que somos? o último reduto do que podemos ser?
A escrita de Rui nunca é inocente, como não são inocentes os seus comentários no Facebook. Não é a dimensão, é a intenção, é a intensidade...quantas vezes surgindo por trás de um riso que se desfaz.
Este Osso, que adiante, ao ler o capítulo sobre o amor se verá que é uma brincadeira com "oso" , urso em castelhano, parte de um trocadilho sobre um atentado à bomba
- possível acto de " terrorismo" ou sobre a palavra "turismo" mal compreendida pelo interlocutor com quem se desenvolve, na verdade, o que bem pode ser o suporte de uma peça de teatro.
No diálogo dos dois únicos personagens vai perpassando um conjunto de temas de grande actualidade, desde a questão dos "migrantes", até à dos receios dos atentados de uns ou outros, até à questão do que é oportuno ou não, da tortura que é, obviamente (ainda que com ironia) ser torturado, como nas séries que reproduzem a vida, a aventura em que se cai consoante a idade e o que dela se faz, em novo ou ou em velho, etc. etc.
A sedução deriva do ritmo, do batimento das palavras de um e outro ou de um contra o outro, num diálogo por vezes torrencial, outras vezes medido, mas sempre em pensamento contínuo, para dar que pensar.
Esse é o Osso que Rui Zink nos atira: em que pensamos, que deixámos de pensar? Como vivemos cada momento em que deixámos de viver?
Acender de brincadeira um isqueiro - suposta falsa bomba - num posto de gasolina - suposto bar?
E a seguir a ler este texto inquietante o que iremos fazer?
Cabe ao leitor a resposta.
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