E é bem que na capa se tenha respeitado o logo original da D.Quixote, a editora que Snu Abecassis fundou para que em Portugal uma editora nova e inovadora abrisse espaço aos novos.
Conheci a Snu Abecassis por causa das vindas a Portugal do Chico Buarque, com Vinicius de Morais, Nara Leão, de quem fui amiga, infelizmente por tão pouco tempo, morreu cedo de mais e eu nunca fui ao Brasil. Era ali num hotelzinho da Rodrigues Sampaio (será que ainda existe? ) que eu ia ter com o meu marido, o engenheiro-contrabaixista desses maravilhosos génios que nos enchiam a alma, para assistir às combinações dos temas.
Éramos todos jovens, ninguém tinha morrido...e havia um enorme desejo de futuro. Estávamos pois nos anos sessenta, eu dava aulas na Faculdade de Letras, tinha publicado os meus dois primeiros livros na Ática...e decidi chamar Pedro ao meu terceiro filho depois de ouvir dizer esse poema, desse nome, pelo Vinicius de Morais. O Pedro iria nascer em Janeiro, e este concerto tinha sido pouco antes.
Como podemos ler no Prefácio que José Carlos de Vasconcelos escreveu, muito cuidado, muito completo, muito cheio de memórias da antiga Coimbra, depois Lisboa, África, Argel, escolhendo do percurso biográfico e poético do Manuel Alegre os momentos marcantes - a vida, fora de Portugal existia e lutava-se lá fora por um país cantável, que não nos envergonhasse, quando saíamos e nos comentavam: le Portugal? Ah, oui, Amália, Eusébio...e até se admiravam que eu falasse (bem) outras línguas...
Enfim.
Recebi gentilmente o livro - o Manuel não esquece os amigos - e ao reler o que já conhecia, pois tenho a primeira edição, e ao ler o Prefácio do José Carlos, todo um mundo antigo que vivi, em Coimbra e em Lisboa, me voltou à memória.
Em 1965 nascera o meu primeiro filho: como era Portugal e os direitos da mulher e da maternidade? Um mês e o regresso, ou a perda do lugar. Felizmente ele nasceu em Julho, e as férias eram grandes, outrora.
A Pátria era tristonha, eu fizera uma conferência na Faculdade de Letras (onde já ensinava há um ano) sobre a peça MARAT-SADE, de Peter Weiss, um texto genial, que por trás da Revolução Francesa ironizava com as sociedades e seus rituais de perversidade e distorção ditatorial; mas Weiss tinha anteriormente escrito um texto contra Salazar. Fui chamada ao meu Catedrático: você é maluca? Sabe que o Reitor me chamou para exigir que não lhe renovasse contrato?
Era assim.Pois bem, eu, que em Coimbra outrora tinha com o CITAC recém-fundado, ajudado a preparar a peça O DIA SEGUINTE de Luís Francisco Rebelo, com a encenação de António Pedro, eu que julgava que em Lisboa se respiraria melhor, sofri a primeira desilusão sobre o meio académico.
Íamos ao Técnico ouvir Maria Barroso dizer poesia,
mas logo vinha a Polícia e tudo se ia embora.
É neste ambiente que o Manuel Alegre escrevia e escrevia e pelos seus poemas passava um certo ar de liberdade ansiada, mas parecendo longínqua...
O que nos encantava, nos poemas, era o sopro lírico e intenso, camoniano, herdeiro também da nossa melhor memória trovadoresca, pelo ritmo, pelas alusões inscritas num sonho que tendo sido glória do passado havia de ter presente, como teve.
A Liberdade havia de chegar, como chegou.
Passaram 50 anos e as canções assumiram com o tempo a sua dimensão de universalidade, sempre sentida e sempre reconhecida.
A voz é individual - só cada um escreve o que escreve e vive o que vive, não há escritas nem vidas de substituição - mas a dimensão do símbolo, a matriz arquetípica que amplia a voz, como neste caso, só se alcança quando o poeta se transcende e uma Pátria inteira vibra, com o mundo, no seu Cântico.
Parabéns Manuel!
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