Monday, February 18, 2013



I
De vez em quando, num dos meus cursos de Escrita Criativa, era abordada a questão do estilo: o que é o estilo, e o que é o estilo deste ou daquele autor?
A resposta não pode ser imediata: em vários autores se foram notando "mudanças de estilo" ao longo dos anos, devido a um alargamento da sua cultura, da sua necessidade de exprimir, de forma coerente (defendo que num criador a estrutura profunda do seu imaginário pessoal será sempre detectável...) mas renovada.
Picasso podia ser um excelente exemplo: da inicial fase azul, figurativa, mas já com um olhar de través sobre o pano de fundo do real até ao seu cubismo fundador de uma nova linguagem : e aqui se pode encontrar já uma primeira resposta sobre a questão do estilo. Na pintura, como na música, como na literatura, o estilo de um criador será a sua linguagem própria, reconhecível, ainda que renovada.
Vem isto a propósito do mais recente romance de Helder Macedo,  Tão Longo Amor Tão Curta A Vida, (ed. Presença, 2013).
Helder tem o dom dos títulos certeiros, e este é mais um deles. Prende o olhar, na livraria, prende as mãos, que folheiam em busca das matérias sensíveis ao gosto de quem gosta de ler. Eu gosto de pegar num livro, de o folhear e por vezes, se calhar de modo injusto (porque impaciente) não conseguir continuar, por falta de marcas de estilo, ou de verdadeiras matérias de interesse. 
Helder, de seguida, desfia uma série de epígrafes que emolduram o seu pensamento e clarificam o nosso: de Mário Cesariny, o nosso grande poeta/pintor surrealista, passando pelo Padre António Vieira ( a solidez pioneira da sua prosa), continuando com a irreverência de Alexandre O'Neill, mas sem esquecer Fernando Pessoa / Álvaro de Campos (e aqui se retomaria a questão dos estilos, num mesmo criador em desmultiplicação), C. Drummond de Andrade, William Shakespeare, e finalmente last but not least, Camões, com os versos do soneto que inspirou o título da obra:
Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.

II
Começo então a ler.
São 12 capítulos, cada qual com um título que dará indicação de tempo, ou de espaço, ou de ambos. Recordando que existem, em simultâneo com o tempo medido ou o espaço geográfico, um tempo e um espaço de interioridade criativa ilimitada  no espaço aberto da imaginação (onírica, muitas vezes assumida, como na prática surrealista).
O romance começa sem preâmbulos desnecessários directamente com o diálogo entre o narrador e um personagem meio estranho, que lhe aparece em casa a desoras, invocando a absoluta necessidade de lhe falar.
O narrador transforma-se em ouvinte paciente, sem deixar de comentar ora a estranheza ora a curiosidade que o mantém atento.
E nós, leitores, acompanhamos o narrador nesse exercício.
Sendo o narrador, tal como o autor, um escritor preocupado com a sua escrita, não será surpresa, mas antes confirmação, que a par do enredo e da intriga que se tece, nos seja oferecida uma vasta reflexão sobre literatura e arte no sentido mais geral: a música estará muito presente ( o cap.12 tem por título a Winterreise de Shubert, que por sua vez nos remete para a Viagem de Inverno, que Helder republicou, com outros poemas, em 2011).
À medida que o romance se desenvolve, numa escrita que não faz cedências, mas de tão directa e aparentemente simples no seu dialogar connosco, nos prende página a página, iremos encontrando as referências aos grandes da literatura universal, alguns já constando das epígrafes, como Shakespeare.
 Helder recupera em pano de fundo a sua mundivivência, feita de muitas leituras, muitas viagens, muito convívio artístico - algo que o facto de o seu narrador ser também escritor permite, e vai dando substância à realidade  e à  misteriosa ficção descritas, num cruzamento de situações e reflexões  a que não faltam o humor (bem inglês) e a crítica política  - mas sem nunca nos deixar perder o fio da meada.
Destaco, como marca própria de estilo, que muito me agrada nesta obra, o rigor do pensamento numa prosa sem falhas, um continuum de reflexão, abrindo no realismo da prosa um espaço para lá dela mesma.
Se tomarmos o muro de Berlin, o seu erguer ( a que assisti, em 1961!) e a sua queda como emblema de um mundo que como todos os mundos ( incluindo o da vida, tão curta, para desejos tão longos) tem um destino marcado e um ponto final, essa recuperação da memória das utopias ocidentais (agora europeias) será, neste romance, o núcleo vital de mais um percurso filosofante com que o autor nos deixa, a par de uma intriga quase policial....
Mas não esperem que aqui vos resuma a história: a ideia é que a leiam... 




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