Mário Avelar, Académico, poeta, ficcionista com paixão confessa e manifesta em muitas das sua obras também pela Belas-Artes, sem excluir o Cinema, suprema arte dos tempos modernos, oferece aos seus leitores um pequeno livro de poesia por onde passa Coltrane, um dos míticos jazzistas que o inspira, entre outros vários músicos e pintores.
Editado na Black son Editors (2000) o título já é indicativo das escolhas dos autores e obras preferidas: PELA MÃO DE MUSSORGSKI,NUMA GALERIA COM ANJOS
Haverá música dentro dos poemas, haverá pintura para encantar os olhos enquanto se ouve essa música, abrindo as sensações à passagem de um tempo que mais do que nosso é dos anjos que pouco a pouco se darão a conhecer.
Os anjos, formas subtis, formas sublimes, que indisciplinam a alma.
Num dos poemas inspirado em obra de Ilda David (Encore-Incubus) Mário escreve:
"Às vezes sento-me na sala a ver Coltrane
no canal Muzzik.Vigil, 1965
Electricidade estática...
agita-se o modem...
www.whatisthematrix.com
Delette! Silencia-se o nome...
Már..má...my residual
self image.
E todavia não inflamei
o templo da deusa. Herosta...?
Pena idêntica:
a rasura do tempo.
Delette."
...
Continua o poema, atravessado por um quotidiano que interrompe, distancia, não vá o leitor esquecer-se do que é a condição actual do poeta (entre o real e o imaginário):
contempla, ouve, escreve, mas mais do que sublima interpela, apaga ou recupera, uma identidade que não deseja perdida na memória.
Os gestos e as fracturas que as rotinas impõem ajudam ao distanciamento que torna mais presente e mais premente a necessidade do poema, a sua escrita, a sua voz de substância ainda que descontinuada.
Descontinuar- para melhor perpetuar- é o ofício presente do poeta.
Ah, e os Anjos:
Estão no poema X, A PORTA DOS BOÁTIROS DE KIEV- ESCADA PARA A LUA
(Georgia O'Keeeffe)
"Afinal, tudo parece
girar em torno de anjos,
de sopros...ténues carícias
...
um sorriso ou um timbre...
que seria das palavras
sem o afago dos anjos?"
Mas eu recordo, com Rilke, que se alguma vez entre nós ecoasse a voz temível do Anjo, ou se ele nos tomasse nos braços, morreríamos sufocados de tanto desejo e ansiedade.
Todo o Anjo é terrível e o toque da sua asa uma ferida mortal.
Mas recordo ainda com Borges (citação de acaso): o que nos faz é mais o que lemos do que o que escrevemos.
Com Mário amplia-se a lição: o que vemos, o que ouvimos... tudo isso faz de nós o que somos e um pouco mais ainda.
2 comments:
Yvette:
Continuo a seguir as suas orientações como faróis de leitura. E nunca me desiludi. Obrigado pelas sugestões. E um haiku:
na gume da faca
passeia uma formiga -
ah! a leveza...
Um grande abraço do
David
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