De Paul Celan, outro poema antigo, da primeira fase da sua obra. Escrito provavelmente em Bucareste e incluído no conjunto de DER SAND AUS DER URNEN, A AREIA DAS URNAS.
Em 1938-39 Celan tinha completado em Tours os seus estudos de medicina e em Paris tinha contactado o grupo dos surrealistas, de que guarda algumas memórias embora depois se tenha afastado das práticas mais radicais, por razões que se percebem: o sofrimento da guerra não o deixará mais voltar a sorrir ou a sonhar, e as imagens que o perseguem são cruéis, de agressão e pesadelo.
A referencia a Monsieur le Songe traz à memória Rilke, outro grande referente para a cidade de Paris, com OS CADERNOS DE MALTE LAURIDS BRIGGE e com as ELEGIAS DE DUÍNO.
Barbara Wiedemann, que edita e comenta a Poesia Completa da Suhrkamp, nota que nas ELEGIAS DE DUÍNO (V) Rilke alude a essa figuração da morte que é a modista "Madame Lamort".
Por curiosidade deixo ao leitor esse passo de Rilke, na tradução de Paulo Quintela:
....
" Praças,ó praças de Paris, teatro infindo,
onde a modista, Madame Lamort,
entrelaça e entrança os inquietos caminhos da Terra,
fitas infinitas, e inventa deles novos laços,
franzidos, flores, cocardas, frutos artificiais-,tudo
inverosimilmente pintado,- para os baratos
chapéus de inverno do Destino.
....
Anjo! haveria uma praça que não conhecemos, e ali,
sobre o tapete indizível, mostrariam os amantes, que aqui
nunca chegam a poder realizá-las, as suas ousadas
altas figuras do impulso do coração,
suas torres de desejo, suas escadas que, há muito tempo,
ali onde o solo falhava, apenas se apoiavam
uma à outra, trementes,- e ali poderiam,
em frente dos espectadores em volta, inúmeros mortos silenciosos:
lançariam eles então as suas últimas moedas sempre poupadas,
sempre escondidas, que nós não conhecemos, eternamente
válidas moedas da felicidade ante o par
finalmente sorrindo verdadeiramente sobre o apaziguado
tapete? "
Celan, no seu poema, falará de uma espécie de "João Pestana" oriundo da treva e não do céu dos Anjos da Guarda que protegem o embalar suave da criança ou dos amantes que podem adormecer felizes.
Aqui o sono é o eterno sono da morte.
RECORDAÇÃO DE FRANÇA
Tu pensa comigo: o céu de Paris,o grande lírio do Outono...
Comprávamos corações na florista:
eram azuis e abriam-se na água.
Começou a chover no nosso quarto
e veio o nosso vizinho, Monsieur le Songe, um homenzinho seco.
Jogámos às cartas, eu perdi as meninas-dos-olhos;
tu emprestaste-me o teu cabelo, eu perdi-o, ele abateu-nos.
Saiu pela porta, a chuva foi com ele.
Estávamos mortos e podíamos respirar.
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