Tuesday, February 16, 2021

Ingeborg Bachmann, Os Últimos Poemas

 Ingeborg Bachman

(Dos Últimos Poemas, para o Sérgio Ninguém, fiel à poesia)

 HÔTEL DE LA PAIX

A carga de rosas despenha-se em silêncio das paredes

e através do tapete brilham o chão e a terra.

O coração de luz quebra a lâmpada.

Escuridão. Passos.

O ferrolho foi corrido diante da morte.

 EXÍLIO

Sou um morto que vagueia

sem estar em parte alguma

desconhecido no Reino dos perfeitos

estando a mais nas cidades de ouro

e nos campos verdejantes

extinto há muito tempo

e sem ser tido em conta

a não ser pelo vento, pelo tempo, e os sons

 de não saber viver entre as pessoas.

 Eu com a língua alemã

esta nuvem que me envolve

e a que chamo casa

 movendo-me entre todas as línguas

 Oh como se escurecem

os turvos sons da chuva

poucos são os que caem

 Para zonas mais claras elevará ela então o morto.

 DEPOIS DESTE DILÚVIO

Depois deste dilúvio

quero a pomba,

e nada mais do que a pomba,

vê-la salva de novo.

 Afundar-me-ia neste mar!

se ela não voasse,

não trazendo consigo

na hora derradeira a folha.

 CORRENTE

Tão avançada na vida e tão perto da morte,

que não posso contar com ninguém,

arranco da terra a parte que me pertence;

 no calmo oceano enterro a cunha verde

em pleno coração e nado para a praia.

 Pássaros de estanho levantam-se e cheira a canela!

Com o tempo meu assassino estou a sós.

Num êxtase de azul nos tornamos crisálidas

VÓS, PALAVRAS

 Para Nelly Sachs, a amiga, a poeta, em homenagem

Vós, palavras, erguei-vos, segui-me!

e embora já estejamos longe,

longe de mais, é preciso continuar

mesmo sem chegar a nenhum lado.

 Não se esclarece.

 A palavra

apenas atrairá

para si outras palavras,

a frase outra frase.

Assim o quer o mundo,

para sempre,

ser forçado ao sim.

Não o digais.

 Palavras, vinde comigo,

para que não se torne definitiva

esta voracidade da palavra

o dito e contradito!

 Deixai por um momento

que nenhum sentimento fale,

que o músculo do coração

se treine de outra maneira.

 Deixai, digo, deixai.

 Que no ouvido supremo

nada, digo eu, seja sussurrado,

que sobre a morte nada te ocorra,

deixa e vem comigo, nem suave

nem amargo,

nem desejando consolar

nem mostrando

quaisquer outros sinais -

 E acima de tudo não isto: a imagem

tecida com o pó, cascalho vazio

de sílabas, palavras agonizantes:

 Nem uma palavra de morte,

ó palavras !

 


 

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