Tuesday, June 13, 2017
Prémios Camões
O Prémio Camões deste ano 2017 foi atribuído a Manuel Alegre, pelo mérito de uma obra e de uma vida.
Não se discute.
Prémios não se pedem, não se recusam.
Mas a propósito de um comentário que li, em que se listava um conjunto de outros possíveis candidatos, ocorreu-me, ao ler, que não se tinha incluído nenhuma mulher.
Durante anos, no Pen Club, que eu ainda frequentava, a minha proposta era, para o Prémio Nobel, Agustina Bessa Luís. Nunca aconteceu, o meu voto ficava pendurado.
Ao receber ontem o último livro de Maria Teresa Horta, cuja obra acompanho desde os primeiro poemas publicados na Guimarães Editores, penso que ela poderia ser a boa proposta para o Prémio Camões da próxima edição.
Poesis, é o título deste livro que já comecei a ler. De um primeiro culto do corpo como matriz do ser e do existir em plenitude (numa época em que era pecado sequer em tímida alusão a mulher referir o seu corpo, um corpo que a cultura do tempo mantinha coberto e anulado) foi crescendo a luz do seu Verbo sobre o corpo da escrita, da palavra que é dada - mas somente aos poetas - e Teresa é acima de tudo uma poeta. Alumia a palavra num dizer que nada oculta, nem do corpo nem da alma, uma palavra que abre o centro das emoções inesgotáveis nela, de prazer, desejo ou contemplação.
Ao mesmo tempo sensual e rara, ei-la, neste último livro abrindo o cofre dos segredos. Um cofre cheio de amor fiel, que não se esconde, nem tinha que se esconder. Mas que também não se renega, em nenhum momento de algum dizer mais cru, ou mais cruel. É genuína, na sua entrega, como foi genuína outrora na sua recusa de um país que a fechava.
Ah, a poesia! exclama ela, na abertura, "Com o seu coração / de liberdade e sonho".
E partilha connosco o seu início:
Ab Initio
Primeiro escrevi
com breves murmurações
e lentos cuidados de asa
desabituada
do voo das das palavras
Depois ganhei pé
na fundura de mim mesma
na ousadia dos versos
onde se colhem
os êxtases
no corpo da escrita
Em seguida comecei
a assombrar os verbos
e a reinventar metáforas
a sintaxe do fogo
os ícones do tempo
as dúvidas, os dilemas
Escrevendo poemas
e seguimos com ela, sua mão, sua escrita:
A Mão e a Escrita
Deixo a mão
correr pelo meu sonho
num sobressalto
sedento
no invento da palavra
pelo avesso da pena
e a lisura da pagina
Devagar vai contando a pulsão da espera: quem nunca a sentiu não poderá entender que assim termine:
...
no reverso do verso
no remorso fechado
num silêncio depressa
alucinado
Ou deste outro modo:
E se em cada poema
invento o voo
com a minha voz poética
eu escolho a lava
Que não se espere desta voz a suavidade mesmo que da paixão, acomodada.
Voa com asa livre, arde no fogo, não petrifica na lava.
Entre outras, esta evocação de Emily Dickinson é especialmente definidora de uma situação que se reconhece na diferença, apesar da igualdade (sendo ambas mulheres, com a sua circunstância...):
De mim tu és
o avesso
sem eu saber qual o lado
que de ti me atravessa
Se o alumbrado
se o asceta
do nosso excesso o contrário
Se o todo numa mistura
do teu existir com regras
e o meu viver arbitrário
Não é só nas longas estrofes dos poemas anteriores em que fala das mulheres, das escritoras e do seu escrever, que a condição de ser mulher e escritora a surpreende e faz com que nos interpele, enquanto a si mesma se interroga. Ali estamos todas, com Emily, a quem Teresa honra com a sua companhia.
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4 comments:
A literatura, seja prosa ou poesia, deve sempre receber o nosso incentivo. Tal incentivo deve ser dirigido a escritores prontos, com obras editadas, como para os novos, que esperam por alguma editora.
Um abraço.
Estamos de acordo, mas não era esse o meu propósito. Apenas que nas listagens há em Portugal tantas mulheres merecedoras de um prémio como este, e citei uma cuja poesia foi recentemente publicada.
Esclareço que a Escritora Agustina Bessa-Luis recebeu o Prémio Camões em 2004.
Agradeço a informação.
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