Em 2015 Manuel Alegre publicou os seus poemas do Bairro Ocidental, o bairro que na verdade é o nosso país, que ele sempre celebrou nos seus versos, "o poema onde respira o teu país", país de todos nós, a que já nem sabemos se devemos ainda chamar Pátria...
"entre nós e o futuro há arame farpado
levaram o que havia além de nós"
A esta obra aludi já num post anterior.
Passam por este conjunto de textos evocação de poemas, cidades, intervenções políticas, descobertas, e as sempre novas sensações de quando se está a escrever. Ao escrever tudo em nós se renova...
Escrever é a porta aberta de um futuro que se deseja antever, (rever) ainda que criticando.
Isto conduz-me ao seu novo livro, agora lançado noutra bela edição da D.Quixote: UMA OUTRA MEMÓRIA.
Aqui se enumeram toas as leituras fundadoras, todas as memórias que a juventude nos deixa, ao compasso das leituras feitas, dos encontros tidos, das amizades permanentes que ao longo do tempo não se perdem.
Das Canções de Dom Dinis às considerações teóricas de um George Steiner que para mim foi um dos grandes condutores do pensamento mítico-literário do século passado ( é verdade, já estamos noutro século, a relação com o mundo, com a escrita, mudou por vezes tanto que mal se reconhece...) é tão vasta a marca das leituras feitas por Manuel, que nos devia sempre acompanhar como lembrete...não escreve bem quem não leu, quem não lê - a abordagem ligeira de manuais não pode substituir-se ao encontro de um inteiro poema de Camões, de Pessoa, de Sophia...para já não falar de todos os que pelo mundo fora se abriram e abriram os fundos espaços da palavra poética, dita, redita, afirmada ou negada.
"Hoje, como sempre, poesia é liberdade".
Nestas memórias Manuel Alegre responde à pergunta que muitas vezes lhe fazem: como conciliou poesia e luta constante pela liberdade, neste caso política, de pensamento e expressão, num país
fechado numa ditadura de que não se via ainda o fim?
Ele responde remetendo para os poemas de PRAÇA DA CANÇÃO - que foi bandeira de jovens e velhos durante anos e agora de novo reeditado, sem perder nada da sua dimensão universal: as ditaduras continuam, a canção evoca as guerras que ainda hoje se perpetuam, ainda que noutros territórios, e na verdade, por entre mortos e vivos o que sobrou foi isto: o poema "que rima com a vida".
Misturam-se deste modo, nestas memórias, pequenos apontamentos que o momento, a paisagem, o canto de um melro atrevido na colina de Santana, com a evocação de Camões na Canção IX:
Assim vivo; e se alguém te perguntasse
Canção, como não morro
Podes-lhe responder que porque morro.
Eis a resposta: o poema entre a morte e a vida, o poema que proporciona ao poeta a sua única e perpétua saída.
Assim viveu sempre, desde que eu mesma me lembro, Manuel Alegre, combatente e poeta.
Partilho com ele a admiração por Sophia: li pela primeira vez em Coimbra, o seu livro CORAL, que abriu a enorme lista de todos os outros que fui comprando e lendo.
Conheci-a melhor nos Verões da Granja, de que fugi mal pude, eu que era tão algarvia, acabando por atrair várias famílias granjolas também para o Algarve! O mesmo médico amigo, em Lisboa, nos tratava a ambas de doenças respiratórias....mas ela não parava de fumar, o seu fumo já era a nuvem de poesia que a envolvia com elegância e naturalidade.Manuel, amigo íntimo, esteve sempre presente, como nos conta neste livro, a mim a vida levou-me para outras paragens, e já não a vi no fim de vida.
Leio a obra, evoco os nosso encontros.
Vivi em Coimbra dos 13 aos 18 anos e muitos dos encontros que Manuel Alegre refere, foram em parte meus: Miguel Torga, Paulo Quintela, por via do Teatro Académico, o melhor da minha juventude...entre o TEUC, do clássico grego e o moderno do CITAC.
O palco permite uma liberdade que sentimos como absoluta, embora seja passageira...mas fica a boa memória, e o impulso de sempre...
E assim por diante, não vou repetir as referências a Natália Correia, com quem convivi de perto (apresentei-lhe o poeta e pintor Henri Michaux, por ocasião de uma exposição dos seus quadros na Galeria São Mamede) e a todos os que se lhe seguem, que Manuel evoca, todos referência do nosso mundo intelectual e que fazem parte do nosso património de cultura e liberdade.
Nestas memórias recupera ainda intervenções de carácter político: reflexões sobre o mundo, a Europa que já não é a que escolhemos, ou sonhámos, mas que é necessário ajudar a que mude, pois se as utopias são difíceis de concretizar não deixam por isso de ser menos importantes como desenho ou desejo de futuro!
Que a voz do poeta não se cale, e que o seu pensamento aberto e livre não ceda, como nunca cedeu, ao que é fácil, pois da facilidade nada nasce que nos amplie e justifique a vida!
1 comment:
Literatura no Brasil é certeza de grande prazer, com autores como Sergio Pereira Couto, Eduardo Spohr, Paulo Coelho, Patricky Field...
d++++
;o)
abraços
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