ROSAS E MAIS ROSAS
(Herberto Helder)
Li A Colher na Boca, no original que viria
a ser publicado pela editora Ática em 1961.
Foi
um deslumbramento, para mim que, habituada à literatura francesa, lia Prévert,
lia Boris Vian e outros, do movimento OULIPO,
não esperava, em Portugal, descobrir nada de tão intenso e tão inovador.
De
fiel leitora de Herberto tive o privilégio de passar a amiga. Não direi íntima,
as nossas vidas eram muito diferentes, mas sempre presente na leitura, na troca
de cartas (raras) e de casuais encontros nos cafés do Saldanha.
Em A COLHER NA BOCA escreve o poeta a
inciar o poema:
Falemosde casas, do sagaz exercício de um
poder / tão firme e silencioso como só houve / no tempo mais antigo.
Casas,
um tempo e um espaço arcaicos, é nessa realidade arquetípica que seguiremos,
guiados pela mão do poeta. Será um afundamento, na palavra, no seu duro e
impiedoso exercício, minuciosamento estruturado.Por muito que possa parecer
escrita de mão livre, entregue aos impulsos da chamada escrita automática dos
surrealistas, há um ordenamento estrutural na poesia de Herberto Helder que não
é de acaso, mas sempre de cultura fina, de requinte subtil, ainda que por vezes
oculto.
O
poema segue, e não é logo de rosas que nos falará:
...
Digamos que descobrimos amoras, a corrente
oculta / do gosto, o entusiasmo do mundo.
De
amoras a amores, dos corpos de gente
citados logo a seguir,a dedução seria fácil. Mas não será disso que se trata.
Seguem-se elementos primordiais, fontes
(água) pedras (ossos que são da terra),
alguma coisa celeste (ar), como fogo exemplar (fogo).
Nada
mudou, na aparência: estas são sempre as
casas.
São
centro, e fundamento.
Mas
já entretanto vão chegar as rosas...
Referem-se
os arquitectos que não viram as torrentes
infindáveis / das rosas, ou as águas permanentes / ou um sinal de eternidade
espalhado nos corações / rápidos.
Alguma
coisa passou ao lado dos virtuais construtores de um universo invisível,
montanha e mar fundiram-se entretanto, para que animais e estrelas / homens e mulheres ...ardessem devagar.
Volta-se
então de novo, a falar de casas, e do que são: Casas são rosas / para
cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança / nos abandona para sempre.
O
poeta convida, no fim, à reflexão sobre a alma e a morte.
As
casas, de que desejou falar, abarcam o universo, o pequeno (do homem) e o
grande (da matéria divina, toda por conhecer). Enumerados os elementos, que são
quatro, na sua tradição, faltaria enumerar os princípios, que seriam três, se
fossem convocados.
Não
foram.
A
rosa permanece fechada, como a de Rilke, na sua rotundidade perfeita, secreta,
inominável.
O
exercício pedido é o da paciência:
como na oração de um alquimista, que tenho citado muito:
ora, lege, lege, lege, relege, labora et
invenies (MUTUS LIBER).
Falemos de casas, diz o poeta, como quem fala da sua alma,
entre
um incêndio,
junto
ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las
erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza.
Assim se fecha o ciclo: das casas, centro da vida, às rosas, espelho da alma.
Ocorre-me mais uma citação alquímica, do Rosarium Philosophorum: dat rosa mel apibus, a rosa dá mel às abelhas...
Assim se fecha o ciclo: das casas, centro da vida, às rosas, espelho da alma.
Ocorre-me mais uma citação alquímica, do Rosarium Philosophorum: dat rosa mel apibus, a rosa dá mel às abelhas...
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