Tuesday, March 04, 2014

RUI ZINK
AS NOVAS FORMOSURAS...
(A metamorfose e outras fermosas morfoses, 2014)

Rui Zink lançou um novo livro, uma espécie de bombom côr-de-rosa, apetecível ao olhar e ao tacto, como têm sido estas edições da Teodolito, onde também saiu A Instalação do Medo a que já me referi neste blog.
E não por acaso, é com um texto pré-meta-kafkiano que ele começa a primeira das "fermosas metamorfoses"... que serão sete e muito diferentes umas das outras.
O título deste primeiro texto não esconde, mas inova, de forma muito original, a sua relação com A Metamorfose de Kafka.
Rui joga com o tempo de antes, com os momentos que antecederiam a transformação de Gregor Samsa em barata, ou escaravelho, e de que modo à volta desse não herói, dessa sombra antecipada de si mesmo, o mundo reagiria. Mundo à dimensão de um quarto, de uma irmã mais bondosa, de pais bíblicos, cinzentos e cruéis. O que se esperava, antecipa Rui, para não deixar dúvidas, é que Gregor se transformasse em bicho insignificante, algo nojento, criatura de repelir, como na realidade ao acordar sabia que tinha de ser.
Não ser, seria mesmo não chegar a ser, não cumprir um destino: o que estava reservado, naquele tempo e naquela sociedade normalizada a qualquer cidadão.
Ironizando, Rui Zink toca no mais fundo do que há de negativo na espécie, e que leva (levou outrora, estará levando agora?) a que toda a diferença deva ser apagada, como na novela de Kafka, por um gesto de súbito repúdio onde não cabem entendimento nem compaixão.
Ler Kafka, e logo de seguida ler esta obra-prima, condensada em poucas páginas, onde Rui Zink exprime, em tom de realismo fantástico o que foi (e continua a ser) a vida mesquinha, ou amesquinhante de uma certa pequena burguesia que não perde os seus tiques, e para a qual só o refúgio de uma metamorfose, real ou imaginária, pode trazer solução: a chamada solução final!
São sete, os textos, e muito diferentes, no tom e exercício de estilo, no tema e na linguagem, que adquire então a rapidez do coloquial, do calão, se necessário, para que se tornem mais intensas as relações ou os laços - perdidos e mal achados - como em "Pandora Boxe", para dar um exemplo, onde há alguma meta- -memória do célebre Quem tem medo de Virginia Woolf.
Rui explica-se, no fim do livro. Não precisaria de o fazer, mas temos aí mais uma prova da sua dimensão cultural, reflexiva.
Dessas notas finais podíamos fazer um seminário para estudantes de literatura. Kafka, Harold Pinter, de mistura com os clássicos, o todo num desafio que ele lança a si mesmo, e de seguida ao leitor.
No trocadilho humorístico se escondem as verdades de Rui Zink. Ora pondo a nú os tiques que são de moda, e passam, como tudo passa - "Largar Kristeva" ora deixando que a mão lhe corra pelas ideias enquanto espera que os seus leitores, também eles, ascendam a alguma meta-metamorfose que não os deixe iguais ao que eram dantes.
Não se passa por Rui Zink impunemente: os seus murros são directos, mas leais. Erudição e criatividade.Só me lembro de outro como ele, o Alberto Pimenta...

1 comment:

Yvette Centeno said...

O que se passa com os comments?
Havia dois elogiosos para obra do Rui Zink, mandei publicar e não aparecem...
Invejas ou distracção do gestor do blog?