Tuesday, July 30, 2013

Carta a Sónia Cravo

Querida Sónia


Já li o seu romance, deste lado do mar vermelho, e como sempre me acontece, é-me difícil falar  sobre obra alheia. Por isso nunca, ou muito raramente, fiz crítica literária, para jornais ou revistas.
Por uma razão: também sou escritora e entendo que todo o autor – é ele que assina o livro – tem direito ao mais e ao menos, em cada momento da sua escrita.
Escrevi o meu primeiro romance aos dezoito anos, em francês (estava em Paris, onde tinha a família da minha mãe). De regresso a Portugal reescrevi, em português, e saiu na Ática: 1961.
O meu último, publicado em 2011 na Sextante, representa a chegada aos 71 anos com romances, teatro, poesia e ensaios académicos de investigação.
A escrita mudou, como a sua mudará – mas para si, felizmente ainda há muito tempo!....
 Este é o seu segundo livro, adivinho uma grande e intensa paixão e necessidade de escrever. Ainda bem, é a marca de um escritor, essa necessidade. Desde Rilke que os grandes autores dizem que, se a escrita e a sua emoção não forem sentidas como um acto de sobrevivência, o melhor seria não escrever.

 Descubro no seu romance, com espanto, porque não é usual, um perfeito e raro domínio da língua e da sua expressividade, nas descrições que faz. Com marcas da grande prosa neo-realista, que me recordo de ler num Alves Redol ou num Aquilino Ribeiro, ou mais do meu tempo, um Cardoso Pires (que conheci e sempre admirei muito). Talvez eu esteja enganada, mas julgo que são estes os seus antepassados literários? Claro ainda há o Saramago.
Essa marca estilística é uma grande qualidade, que se purificará ou adensará com os anos, com os temas, com o que vier a ser escolhido, na necessidade de cada novo momento.
Quem pensa bem e escreve ainda melhor o que pensa tem o caminho aberto à sua frente.

Se o estilo é realista, falta agora aludir ao imaginário – herança de outros, já do realismo dito fantástico, como nos célebres e fundadores Cem Anos de Solidão, que Saramago também leu bem, e a seguir a ele, tantos outros das novas gerações.
O seu imaginário é no entanto mais obscuro e mais onírico – o que o torna mais apelativo para quem a lê.
Deseja-se ler mais, saber um pouco mais.

Aqui entra a chamada estrutura da narrativa: recortada, post-moderna no uso do flash-back e no aleatório de algumas situações que não se fundem, antes se vão somando umas às outras.
A Sónia escolhe o mais, em vez do que na minha idade eu teria escolhido: o menos.
Era Celan que dizia, num poema Cello-Einsatz: tudo é menos / do que é/ tudo é mais.

Por outras palavras, filosofando sobre a depuração do estilo numa narrativa, o “menos” é na realidade “mais" : porque deixa o sentido profundo em aberto, o leitor pode completar, reflectindo sobre o que não está dito…o mesmo podendo suceder connosco,  ao escrever deixando uma interrogação só nossa e que nos levará depois a outro livro…

Resumindo: há uma soma de situações que tornam a narrativa talvez demasiado densa – sem que deixe de ser interessante - isto não é uma crítica negativa. É uma constatação, apenas.
Mas noutros livros se calhar pensará que o denso, mais depurado, não ficará menos intenso…escolha que será sempre sua, claro, o autor é dono e senhor da sua criação!

3 comments:

Anonymous said...

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Yvette Centeno said...

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Jota Pê said...

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