Resistentes, alguns (poucos) editores e poetas insistem em escrever e dar a publicar, dar a ler prazenteiramente, livro na mão, como nós, os da geração de sessenta, nos habituámos desde sempre.
É bom que a geração do livro não desista - quando esses desisitirem o país ficará mais pobre, alem de mais inculto.
Ora a incultura já é tão desmedida...falta que chegue a pobreza: pobreza de alma, pobreza de entrega ao pulsar de vida que se mantém nas palavras.
Onde houver poesia viverá a palavra, a alegria solar de saber e dizer : que o dito não se esconda, não se apague, demonstre a sua força.
Neste seu livro José Carlos de Vasconcelos recorda, no Prefácio, que publicou o seu primeiro livro em 1960, aos dezanove anos. E passados estes cinquenta anos a poesia continua com ele.
No Princípio
No princípio era o sol
No princípio era a água
No princípio era o vento
No princípio era o tempo
o tempo ainda sem tempo
sem sentido e sem sinais
Depois chegou o verbo o verso
O caos se transformou em cosmos
E o sol a água o vento o tempo
passaram a ser reais.
Entre a reflexão e algum discreto experimentalismo, nos poemas seguintes, José Carlos pratica o seu Ofício de Fogo:
....
Meu colorido é a branco e preto.
Mas no rigor de muitas, desvairadas
navegações, também mudo de rumo
no interior do mapa secreto.
Trabalho por dentro das madrugadas
e meu ofício é de fogo, sem fumo.
Todo o bom leitor de poesia se reconhecerá, ao longo destes versos, com alguma alegria melancólica escondida na luz do existir. Como o poeta que gritou: estou vivo e escrevo sol!
Adiante no livro, em Guardo o Poema ( como Alberto Caeiro guardava os pensamentos, em rebanho de feliz improviso) está toda uma teoria poética, ou melhor, toda uma arte de bem viver a poesia pela escolha das imagens mais actuantes:
"emblema de ouro, rosa vermelha, quadro abstracto, silêncio absoluto, música de festa no meio do luto, peixe que nada em aquário partido, olhar da infância no livro aberto, valsa de Strauss fora de moda" até à chave final, a que abre o segredo de uma vida:
guardo o poema
para adiar a morte
Guardemos o livro, com os seus poemas; adiemos também nós a morte.
Cultivemos, seja a ler, seja a escrever, com José Carlos,
"Um ofício de palavras como laranjas no vento".