Monday, March 24, 2008

Poetas na Primavera


( ao Herberto Helder )

É Primavera
frase banal
bastava ter lido 
na agenda

os poetas acordam
nesse dia
são chamados a ler
os seus poemas

contentamento
vão...

melancolia
de quem não é
o que é
(a voz mais pura)
mas apenas  bandeira
propaganda
daquele único dia
em que se finge
que tudo é mais
quando é menos
(eu recordo Celan:
"tudo é menos do que
é,
tudo é mais")
mas de nada me serve 
recordar
ele também diz 
"vai nascendo a verdade"
e não a vejo nascer

os satisfeitos
a dedo
são perfeitos
(re)eleitos
não cantam as outras 
vozes
antes dizem e redizem
as suas palavras (re)ditas
ou benditas ou
malditas
que nada mais acrescentam
às suas vidas 
vividas
(di)vididas

eu busco
na minha estante
aquela voz
mais sumida
que sempre deu
poesia
poema servido em sangue
como o cordeiro
inocente

corro à janela e
grito
para quem possa
entender
aqui está o seu poema,
o poema
que ele escreveu e
já ninguém sabe ler

é o poema-gemido
poema-ofício-do tempo
não cabe nestas agendas
que não lembram o momento

as colunas do seu nome
o travessão
que as suporta

não obrigo ao re-Camões
que também já está
batido
embora ele nos inspire,
mas obrigo a quem o leu
e tudo com ele aprendeu
das duras lições da vida
que a vida deu
e não deu:

Apagaram-se as luzes. É a triste primavera cercada
pelo germe das guitarras.
E enquanto dorme o leite, minha casa
pousa no silêncio, e arde pouco a pouco.
No círculo de pétalas veementes, cai a cabeça -
e as palavras nascem.
- Puras, desgraçadas.

Eis um tempo que começa: este é o tempo.
E se alguém morre num lugar de searas imperfeitas,
é o pensamento que verga de flores actuais e frias.
A confusão espalha sobre a carne o recôndito peso do ouro.
E estrelas algures se aniquilam para um sublevado
campo de seivas.
Para a noite que estremece
fundamente.

Melancolia com sua forma severa e arguta, melancolia
com maçãs dobradas à sombra do rubor.
Aqui está a primavera, e nela um sexo
entre ávidos arbustos, luas excepcionais, pedras
atravessadas pela primeira música.
Contudo, apagaram-se as luzes. E eu sorrio, leve e destruído,
com esta coroa recente de ideias, esta mão
que na treva procura o vinho dos mortos, a mesa
onde o coração se consome devagar.

Eis então o poeta
o seu Ofício Cantante

está deitado no chão
da casa mais antiga 
ao pé do mar
 na ilha
onde não há sereias
nem vozes
que decomponham
o som da sua voz
a música
da primeira 
e última 
Primavera

(ler Herberto Helder, Ofício Cantante )




2 comments:

Carolina Pera said...

Adorei seu blog!!!

Maria Azenha said...

o seu blog é de uma pertinência imensa.

adorei.


mariah