Thursday, September 05, 2024

José Luís Ferreira, E é Tremendo o Desejo de Mar e de Tempestade, ed. 5 livros, 2024

 Tenho em mãos, em simultâneo, dois livros, um sobre o qual já trabalhei, para expôr na obra um grande artista, na arte da pintura (fundador do grupo COBRA, que depois abandonou por achar que a novidade se estava a esgotar) e no exercício do pensamento livre e aberto a que chamou de Situacionismo, com escritos que foram mais recentemente compilados num volume único, em francês e de que já existe também uma edição em castelhano. Trata-se de Asger Jorn, dinamarquês, que vai para Paris em 1937 juntar-se a outros, todos modernistas, que desejavam conhecer e trabalhar no atelier de Férnand Léger. Falo dele no meu livro, também deste ano de 2024, a editar pela glaciar: GUENIA /ASGER.

O outro livro que tenho à minha frente, acabado de ler, é de um autor sobre o qual escrevi já neste blog, José Luís Ferreira, E é TREMENDO o DESEJO de MAR e de TEMPESTADE. Primeiro elogio, o da edição cuidada, de letra que posso ler, mostrando que deseja ser lido, sem poupar papel, mantendo no entanto uma dimensão que fica agradavelmente fácil de segurar na mão.

Não faço crítica literária, por princípio, sendo eu também escritora. Escrevo aqui no blog, a minha leitura dos autores que me vão chegando. Naturalmente ora gosto mais de uns, ora de outros, e até do mesmo autor. Pergunta-me o José Luís se gostei deste seu livro, pois tinha referido aqui o anterior.

A resposta é simples, e pode não agradar: não se trata de gostar ou não gostar. Trata-se de ver, ao ler, em que consistiu a mudança, a diferença, o acrescento e a novidade que nos traz, neste novo exercício de escrita. É uma escrita muito intencionalmente surrealista, " de criação aberta" diriam os Situacionistas, de fluxo do inconsciente, desarticulado, em que o narrador assume uma voz de mulher (quem sabe na senda de um Joyce, com a sua Molly Bloom? ) algo que Clarice Lispector, sobre quem escrevi, faz em sentido contrário na HORA DA ESTRELA, a narração passando a ser de voz masculina, e a que eu na altura achei que era um subterfúgio pouco convincente, pois por trás dele se sentia a voz sempre filosofante da autora.

Se não fosse buscar Joyce, poderia trazer a este nosso convívio um outro grande criador, Julián Ríos, de que saiu agora, de LARVA, sua obra-prima, a tradução portuguesa. Um imaginário solto, eivado de ambiente surrealista, capaz como Joyce, de inventar e alterar o sentido das palavras, quando isso lhe era útil, sem nunca no entanto deixar que se perdesse, no emaranhar da narrativa, o seu fio condutor, que não se perde.

Ficando com José Luís e o seu exercício proposto, de voz feminina, que ora alude ora não a momentos do seu passado ou do seu presente, da juventude apaixonada por um Ele que nunca adquire contornos definidos, ou de uma idade madura em que os sentimentos e os desejos com o tempo se transformam, que podemos dizer?

A narrativa é voluntariamente desarticulada, descontinuada, levando o leitor a interromper o que estaria pensando, ou concluindo, sobre o texto -pretexto - oferecido. Cultiva-se a contradição, a ambiguidade, a repetição na abundância de imagens que podiam ser estas ou outras, e não se ganha, pois não estamos com O'Neill, um passo a mais no estilo que se escolheu de irónica brincadeira. Tudo nessa voz inventada de mulher se prende mais ao trágico, sem o ser. Ao desejo do outro, sem o ter.

E se alguma coisa podemos procurar é o ritmo, que havia no livro anterior e aqui não encontramos, pois não é o que a sua prosa rápida nos pede.

Então o que nos pede? Uma adesão incondicional a este novo modelo (que não é novo, já vimos) e que não perderia força se a voz fosse a natural do autor, transposta para um narrador, seu alter - ego - que em toda a Situação alargasse o seu pensamento, livre ou mesmo libertário, a um espaço para ele novo, e para todos, tornando-se universal, inovador.

Modelo aberto, reversível, ao gosto de autor e leitor, na definição dos antigos, cada vez mais modernos, Situacionistas, cujo pensamento libertador acompanho.

Até que....como diz o Luís!



  

 



 

1 comment:

fridka said...

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