ELE
Não, não esperou por mim.
Quis ir à frente, como sempre fazia.
E depressa
que a minha lentidão
sempre o aborrecia.
Eu ia mais devagar
ainda a meio da rua
parada no meio da vida.
Lisboa, 22 de Fevereiro 2023
ELE
Não, não esperou por mim.
Quis ir à frente, como sempre fazia.
E depressa
que a minha lentidão
sempre o aborrecia.
Eu ia mais devagar
ainda a meio da rua
parada no meio da vida.
Lisboa, 22 de Fevereiro 2023
A capa da edição, com a foto do poeta, faz-me pensar que a moda vai e volta, e é o caso da franja, ou da melena que lhe cai na testa, como hoje em dia se vê em muitos jovens. Dá um ar sedutor, que evoca bem a sedução deste poeta aqui apresentado, muito na primeira pessoa, o que nos ajuda a entender melhor a vida e os percursos que se transformam em sentimentos. O sentimento da natureza, o amor do mar, ou da montanha, essa identificação mágica é muito bem transmitida nesta quase biografia, em que se salienta a matriz céltica de uma Irlanda sempre presente, por vezes só na memória.
Quando o livro foi anunciado, lembrei-me logo do volume que tinha visto na biblioteca do armário pequeno de Fernando Pessoa, em casa da sua meia-irmã, Dona Henriqueta Rosa Dias. Os livros desse armário seriam para mim tão interessantes, pelo conteúdo, como os papéis da Arca. Ali Pessoa tinha Yeats, Whitman, Joyce, testemunho da sua curiosidade pelo mundo moderno, a par dos volumes sobre matéria oculta, matéria que também foram objecto, como lemos em Cristina Carvalho, do poeta que biografou assimilando-o como um quase alter-ego que se tivesse apossado dela, como nos diz na Introdução. É esse um dos poderes dos poetas, tomar conta das almas dos outros e rasgar nelas horizontes novos, inesperados até.
Coerente com o que se conhece desta autora, a epígrafe que escolhe, de Stefan Zweig:"sempre que o espaço se alarga, a alma abre-se"(da obra sobre Montaigne). E na verdade, eu que a leio há bastante tempo, como li outrora o pai, Professor e Poeta, é isso que verifico: ela viaja, ela busca horizontes, ela escolhe obras e autores, ou cria as suas, e em tudo o que faz lemos e vivemos com ela espaços que se alargam, e desse modo vão abrindo as nossas almas. E eis-me então aqui com um poeta que por coincidência (ou seria algum momento de magia celta? ) nasce a 13 de Junho, como Pessoa, embora uns anos mais cedo, 1865.
O imaginário celta que a autora nos descreve, "feito de seres inacreditáveis" dos que vivem nas grutas e nas florestas, que são fantasmas, gnomos, fadas, bruxas, o estudo da astrologia (Pessoa, estarás também aí, mais tarde, fascinado com ele? ), a alusão ao falar com vivos e com mortos (ser medium) mais uma aproximação?
Yeats começa com o estilo romântico e simbolista dos tempos, e depois evolui para uma modernidade avançada, que lhe dará o direito a um Nobel em 1923. Na verdade, por toda a Europa os anos 20 faziam o seu caminho de revolução nas artes, poesia, música, pintura, e um criador seguia esse caminho, Yeats sendo um deles.
Cristina realça o seu permanente amor da natureza, mas não esquece algo que também foi moda dos tempos, - e se descobre em Pessoa - "a paixão pelo ocultismo, pelo espiritualismo, a mística e a astrologia. Estudei a fundo todos estes assuntos e complementei sempre a minha vida com as ciências ocultas" (pag.29)
Talvez aqui nos seja lançada a ideia de uma tese que aproxime estes dois grandes criadores, apesar das suas diferenças. Também as diferenças são merecedoras de estudo...
À medida que avançamos na nossa leitura torna-se mais clara a intenção que a autora já dera a entender na Introdução: não faria uma narrativa densa e complexa, mas escolheria momentos em que o poeta melhor se revelasse ( como quando alude à sua melena, que lhe cai sobre uma parte da testa e o torna mais bonito, vaidade que não o perturba, é vaidoso, e que mal tem? ). A nossa leitura prossegue pelas páginas em que já se situou a importância da relação com a família, o amor dos estranhos livros que estuda e da consciência que esse mundo alargado lhe confere e nem todos ou mesmo ninguém à sua volta entende, e sem dar por isso, porque é leve, directo e agradável o modo escolhido pela narradora, estamos a meio. É uma das grandes qualidades de Cristina Carvalho, da sua escrita, não tem, não precisa, de arrebiques que compliquem para dar um colorido de falsa erudição. Gosto de ler quem escreve assim, e quando acaba, acaba. Sem complexos.
Não cabe num post tudo o que se pode dizer sobre um livro que deve ser objecto à parte de estudo mais aprofundado.
Mas de novo, porque leio em regra até ao fim, antes de escrever, aprendo com Cristina Carvalho (com ela podemos sempre ter essa surpresa de aprender) que o poeta foi um iniciado da Ordem da Golden Dawn, fundada por Israel Regardie, MacGregor Mathers, Aleister Crowley (iniciado em Paris em 1900) que Pessoa conheceu bem, e alcançou o Grau de Grão-Mestre, o que o leva a sentir-se muito feliz, como afirma (pag.83).
Tal como em Pessoa, que estudei bem, Yeats mereceria agora que sobre ele fosse feito um estudo cuidado dos reflexos no seu pensamento e na sua obra, no meio de uma Inglaterra onde a teosofia, pela mão de Madame Blavatsky, que Pessoa traduziu, imperava. O ocultismo, lá como aqui, seduzia os espíritos, havia aquele impulso de saber mais, abrir o desconhecido, alargar a alma e os sentidos. Sabemos que Oscar Wilde não apreciava nem a poesia nem os estados de alma do meio que frequentava e não terá apreciado Yeats. Mas esse fica para outro momento.
Cristina alude ainda à paixão não correspondida que o poeta viveu durante longos anos, à actividade ligada ao teatro, e a pormenores da sua vida e casamento tardio, com Ezra Pound como Padrinho.
Mas na verdade a sua vida foi a sua poesia e é para ela que o livro de Cristina nos empurra, num conselho final. Sigamos o conselho...