Um inédito, com que fecho os Sintomas II, enquanto o meu word aguenta...Conclui afinal o que ficara por dizer no ensaio do dizer o mal, mais antigo, mas era conferência na UNL e precisava de ponto final.
Sintomas II
inédito
Acordei
cedo e com uma interrogação sobre o Jardim do Éden, depois de Jeová ter
expulsado Adão e Eva, as suas criaturas primordiais, o casal que daria origem a
toda a espécie humana. Expulsos e proibidos de regressar pelo Arcanjo da espada
flamejante que guardou, até hoje, o portão da vida eterna, Adão e Eva foram à
sua vida, isto é, puseram-se a caminho, e o caminho deu por sua vez origem ao
que chamamos terra: as grutas, as florestas, os campos com as terras férteis
ou amaldiçoadas, conforme, e as cidades de que Cain, o filho primogénito, foi o
construtor. Também aqui houve um momento de expulsão. Adão e Eva tinham
concebido dois filhos Cain e Abel. Jeová apreciava mais a ingénua fé e os as
oferendas que Abel lhe levava. Cain, ciumento, matou o seu irmão e justificou o
seu acto como vingança pela injustiça da relação privilegiada com Jeová. Sendo
o mais velho não mereceria mais respeito?
Jeová
era um deus cruel e vingativo. Tinha prazer em castigar. Já castigara os pais,
castigava agora um dos filhos, Cain, o invejoso das bençãos dadas a outros. Ele
partiu e o seu caminho foi feito de avanços na progressão do que hoje se
chamaria civilização. Porque a cidade representa um grande avanço no
ordenamento dos espaços, dos territórios, (suas normas, seus rituais) cuja
finalidade era aprender a cumprir os deveres para com os deuses. Isto também
aborreceu Jeová, que queria ser o único a decidir do destino da espécie. E
quantas vezes, de raiva, destruiu o que fora de início impulso de generosa
vontade de criar e contemplar
feliz o que tinha sido criado, pelo seu Verbo inflamado e poderoso.Mas
volto à questão do Jardim do Éden: o que lhe aconteceu? Jeová passeava
solitário entre as árvores? Talvez entregues à jardinagem cuidadosa de algum
Anjo? Ou já todas as que eram pomares de sedução e alimento estariam
abandonadas ao acaso?E não
esqueçamos a serpente, que não chegou a ser expulsa, o seu corpo rastejava por
ali, com o seu veneno entranhando outros seres, e entre eles um Anjo, o que
viria a revoltar-se contra Deus, já que de Adão e Eva ela tinha perdido o
rasto, até ao episódio de Cain.No
Génesis I, podemos ler a Criação e a Queda. Já tratei algures o DIZER O MAL,
procurando entender a sua génese.Mas
hoje é do Jardim Perfeito que me quero ocupar. Com muitas árvores de fruto,
Adão e Eva nunca teriam fome. Mas alguma coisa faltava e foi a Serpente que
lhes explicou o que faltava e seria de tão fácil acesso (não mencionou o preço
a pagar). Faltava o conhecimento. Ali estavam os dois, puros na sua inocência
do corpo e da alma, e Jeová só vinha controlar se havia obediência....ou
curiosidade de experimentação, conhecimento e ciência ( algo que a Serpente
parecia possuir em abundância, como se também fosse, parcialmente, divina).A
tentação de saber, e saber mais, afectou Eva de forma irremediável. Obedeceu ao
seu instinto serpentino (tão próprio das mulheres, desde os rituais mais
antigos praticados e representados em tantos mitos de fundação, desde os
Assírios aos Gregos e ainda hoje nas tribus não conhecidas). Colheu o fruto da
árvore proibida e logo Jeová acorreu, a salvar a outra, que era sua e lhe
garantia toda a perenidade. Furioso, de seguida os chamou e castigou, a esse
par que ousara desobedecer às ordens dadas.Jeová
Deus ficou com uma das árvores, a da Vida Eterna, mas a Serpente ficou enrolada na outra, a do Conhecimento, e que eu
saiba até hoje não foi expulsa, embora
ameaçada de um dia ter a cabeça esmagada por uma Virgem pura. Mas morderia
primeiro o calcanhar da linhagem do homem, pois ele e Eva iriam agora, já
expulsos, procriar.Sabemos
que diante do Jardim do Éden deus colocou “os querubins” (os seus Anjos), e a chama do gládio fulgurante para vedar o
acesso à Árvore da Vida.Volto
a pensar no que se passaria no interior de um Jardim, outrora tão perfeito e
agora tão amaldiçoado. Jeová vivia e mandava. Mas a Serpente vivia, como ele. E
astuta (podia Jeová ser menos inteligente do que ela, ele que fora seu
criador?) ela simplesmente aguardava o seu momento.E
assim avançava, enquanto rastejava, e ia sendo seu todo o Conhecimento. O pouco
e o muito que hoje temos.
Que
distração a minha, imperdoável...no meio do Jardim ficou um resto da maçã
trincada por Eva e por Adão, com o caroço à vista, apodrecendo...