Wednesday, March 06, 2019

André Verdet, L'OBSCUR ET L'OUVERT

André Verdet (1913-2004)



Pego neste seu livro, que tem uma dedicatória muito especial, e vem-me à memória como foi importante, desde os anos 40, o seu percurso, como poeta, pintor, escultor e ceramista.
Resistente, durante a guerra que ia engolindo a França e a Europa, numa utopia de horror, recebeu a distinção de OFICIAL DA LEGIÃO DE HONRA, entre outras, como a Medalha da Resistência e da Deportação.
É pela poesia das estrelas e do universo que nos encontramos, embora as suas primeiras edições, em 1945 e 1947, com Jaques Prévert se devam à minha tia Guenia Richez, fundadora das Éditions du Pré aux Clercs. Conheci-o primeiro em casa dela, junto com Pierrot Prévert, nos anos sessenta. À sua mesa se reuniam poetas, pintores, criadores de todo o género. Este poeta, que admiro, foi mais um deles, e teve como mentores Prévert (que também conheci) e Cocteau cuja obra marca a vanguarda europeia de modo definitivo.
 Na sua biografia encontramos o episódio da resistência (no grupo"Combate", e a seguir no grupo"Acção Imediata") que leva à prisão pela Gestapo, em 1944 e à deportação, junto com Robert Desnos, para Auschwitz. Passado um tempo é transferido para Buchenwald. Num romance autobiográfico escrito na terceira pessoa, La nuit n'est pas la nuit , A noite não é a noite, dá testemunho do horror e da esperança que é preciso manter para lutar contra ele. Depois da libertação divorcia-se de Camille Parèze, que tinha desposado pouco antes de ser preso.
E aqui entra de novo uma evocação de família: Camille, pintora, foi amiga da minha mãe e da minha tia, e mãe de um grande bailarino, Patrick Belda, estrela da companhia de Maurice Béjart e meu grande amigo também. Morreu cedo, num desastre de automóvel, quando de madrugada se dirigia para Bruxelas, onde Béjart tinha sediado a companhia. Foi em 1965, e a mãe nunca recuperou do seu desgosto.
Em 1978 este poeta que ama todas as artes, funda um grupo de free Jazz, Betelgeuse, com o compositor Gilbert Trem, o dizeur Frédéric Altmann (que é também fotógrafo e crítico de arte) : diversão e liberdade total, dando concertos um pouco por toda a região de Nice e da Côte d'Azur. Terminam a carreira em Paris, com um concerto no Palais de la Découverte, em 1985.
A poesia de André Verdet, na sua vertente menos politizada, consagrou-se às estrelas, que já na infância tinham sido suas amigas e o foram novamente, consolando-o no céu nocturno de Buchenwald, num conjunto de publicações: 
Le ciel et son fantôme ( O céu e o seu fantasma), L'obscur et l'ouvert (O obscuro e o aberto, de que me irei ocupar), Détours (Desvios), Seul l'espace s'éternise (Só o espaço se eterniza).
É talvez em Edgar Morin que podemos encontrar a melhor abordagem da sua poesia:
" É a primeira vez que um poeta conhece e reconhece este novo universo; nomeia-o com termos forjados pelas ciências físicas, a saber palavras como partícula, átomo, molécula, gravitação, buraco negro. Mas ao usar estas palavras transforma-as em mitos, e no mesmo impulso converte os mitos mais arcaicos em astros, átomos, moléculas, partículas...mitifica a ciência e "cientifica" os mitos..estabelece um intercâmbio entre a rêverie poética e a descoberta científica, entre o imaginário antropológico e as coisas físicas. Uma viagem entre dois pensamentos fundamentais que funcionam em conjunto no nosso pensamento: o empírico-racional, das ciências, e o simbólico-mítico, que encontrou o seu refúgio na poesia (Edgar Morin, Verdeto-cosmologie, ed. Galilée, p.193).
Para além da poesia, Verdet trouxe ainda às Artes Plásticas uma grande parte da sua paixão. Conviveu, no seu tempo ora de Paris ora de Saint-Paul de Vence, ou Nice, com grandes criadores que o entusiasmavam a lançar-se na pintura, na escultura ou na cerâmica (como Picasso fez, em Vallauris ). Era amigo de Fernand Léger, de Braque, de Picasso, de Chagall, de Giacometti, a quem dedicou um poema. Nos anos 60 inventa uma técnica com uso de resinas de polyester, que dará o nome de Vitrificações aos quadros então produzidos, gouaches, pastéis, aguarelas ou óleos. Uma forma, dizia, que ajudava a reflectir a luz, melhor captada nesse processo. Os materiais também eram inovadores: fibras, fios, folhas, tecidos de  plástico - dando aos materiais da banalidade quotidiana uma dignidade estética que nem sempre os seus amigos procuravam, preferindo antes a aventura do objecto-pintura em si mesmo. 
Mais surpreendentes serão as suas COSMOGONIAS, quadros de grande formato, em acrílico, com versos de poemas inscritos pelo meio, que já antecipam o imaginário que vamos descobrir em L'OBSCUR ET L'OUVERT, a obra em que se exprime de modo algo hermético um cosmos nascente, uma terra oscilante procurando harmonia e equilíbrio que o homem não lhe dará.
A estes quadro Verdet chama os seus Quadros-teoremas. Para o crítico Pierre Restany esta poesia visual vai ao encontro da intuição sensível e da pesquisa científica "dando às equações da astrofísica, ou às formulações da energia, a carne e o sopro dos nossos sentidos, o ritmo alternado das nossas alegrias e das nossas dúvidas, a dialética fundamental da esperança" (Pierre Restany "André Verdet, peintre-proférateur"in Pierres de Vie, p.339 ).
A dimensão cósmica da poesia de Verdet é sublinhada por um astrofísico, Jean-Claude Pecker, que elogia a sua coerência e pertinência, escrevendo: " Nada no céu de Verdet que possa ser contestado por físicos ou matemáticos...Enriquece as nossas cosmogonias, ilumina os caminhos do céu, e o astrónomo retoma o seu caminho com um olhar renovado pelo olhar azul de André Verdet fixando o céu sombrio da Provence..." (Pecker, "Approche du Ciel et son fantôme", in Pierres de Vie, p.183 ).
Termino com uma citação, da escolha de Pecker:

Nous sommes sur le pont
Figurants d'une énigme
Oublieux du péril et faisant
Parfois des gestes dangereux
Nous regardons les étoiles
Elles nous rassurent
Et nous repartons
Tranquilles
Entre les deux parenthèses
D'un Cataclysme

Estamos na ponte
Figurantes dum enigma
Esquecidos do perigo e fazendo
Por vezes gestos perigosos
Olhamos para as estrelas
Que nos dão segurança
E vamos embora
Tranquilos
Entre os dois parênteses
Dum Cataclismo 

(Le ciel et son fantôme, p133)





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