Rui Zink, como sempre, me agrada e surpreende. Nenhum dos seus livros, até hoje, me desiludiu. Factologia, o seu livro sagrado (e já verão como isso me leva a Frederico Lourenço, e ao 2º volume da tradução dos Evangelhos Gregos), é o seu olhar agudo, crítico da nova era em que se entrou no mundo, depois da eleição de um Presidente dos EUA para quem factos bem podiam ser, como são, os fatos do nosso AO amaldiçoado!
Reencontro nos temas, mas sobretudo na ironia das situações, no humor repentino do jogo com as palavras, nos diálogos, tudo aquilo de que sempre gostei: a sua capacidade de intervenção ( que nos faz pensar, no meio da ironia jocosa) e de inovação.
Este seu livro sagrado tem no ritmo das páginas que vamos lendo, um encenação possível, permanente.
Está feito para ser adaptado, com sucesso, ao teatro. Não sei se algum encenador já pensou nele. Devia.
De igual força narrativa e cénica recordo-me agora de A Instalação do Medo, kafkiano quanto baste, e que se lê de uma ponta a outra com a sensação de que é nesse espaço mesmo que estamos a viver, sem dar por isso.
Rui, atento, chama a atenção: é aí que estamos, cuidado.
E agora, o alerta é bem pior: tudo se banalizou, o medo também ao deixarmos que se finja que não factos concretos, há uma ciência dos factos, que - ironia das ironias supremas - mal se instalou como ideia-força e sistema anulou tudo o que exista ou possa vir a existir à sua volta. A contracapa diz tudo, de forma irónica e concisa:
"Este romance responde à mais crucial questão do século XXI. A saber: o futuro vai ser bem ou mal passado? "
E ainda, noutras linhas abaixo: a fraqueza do protagonista vítima de tudo o que (não) acontece é estar curioso. Antes era a curiosidade que matava o gato. Agora mata a pessoa, com um atropelo de factos que o enredam, lhe suspendem reacções e pensamentos. Pensar é o maior perigo, esta nova ciência fará isso: suspender a força de pensar, o desejo de pensar, o prazer, ainda que mortal, de exercer o génio do pensamento. Se uma palavra (um facto) mata, uma palavra faz viver.
Ainda bem que soltaram as palavras, os novos factos de Rui Zink. Gosto de ler até ao fim, porque se nos livros de iniciação é muitas vezes logo de início que a verdade oculta é revelada, nos livros de provocação acontece muitas vezes que é no fim.
Cito Rui Zink, que avisa em Nota final do Autor:
" A Factologia é o ioga mental do novo século, quiçá do novo milénio.Porque nos ensina a postura certa. Aprender a gostar disto é o segredo para gostar disto. E isto pode ser qualquer coisa: os mosquitos, a peste, o lodo, os escombros, o horror. Como transformar o inferno em paraíso? Há o método errado - tentar mudar o estado das coisas. E há o método certo: aprender a gostar do estado das coisas. Se gostarmos do inferno, ele, com um estalar de dedos, vira paraíso (...) Paraíso e inferno são exactamente o mesmo local, o que muda é a perspectiva"(p.328).
Pois bem, ficarei por aqui, e de perspectivas falarei noutro post, já com Frederico Lourenço.