Saturday, July 26, 2014


Leonardo Chioda
Tempestardes, 2014

Este é um mês de tempestades e de descobertas.
O que me faz dizer que nunca é tarde - como em Tempestardes - para esperar por um bom livro, que nos apeteça e nos desperte uma vez mais e sempre para o enorme gozo da leitura.
O autor, Leonardo Chioda, é jovem e muito conhecedor da literatura portuguesa contemporânea, Herberto Helder destacado de longe, numa aprendizagem do desmanchar e do fundir imagens e palavras que renovam e fazem voar o verso.
Mas há outros poetas da nossa modernidade, passando por aqui, como Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner, Gabriela Llansol, Ana Luísa Amaral, Teresa Horta que abre em epígrafe o início, da "víscera da musa", com o seu belo verso:
Vem tempestade
vem luz
de alumiar o destino
...
Belo começo, que alumia o livro à nossa frente.
Antecedido por um prefácio que elucida o caminho, os estudos, as viagens por paisagens reais e literárias, da autoria de Ana Maria Domingues de Oliveira, Professora da UNESP, onde ensina literatura, vemos mais uma vez como é importante a relação que se pode (deve) estabelecer ente quem ensina, amando o que ensina, e quem aprende, pois aprender é o início de todos os inícios e será o fim de todos os fins que se consigam.
Leonardo Chioda faz parte desta geração a que já aludi, com Andrei Sen-Senkov e Sveta Dorosheva: jovens, viajados, lidos, cultos acima da média, e tendo por isso uma capacidade de criação original, diversa e muito diferente do que se descobre nas estantes das livrarias. O seu Verbo é atrevido, constrói e desconstrói, suga imagens em verdadeiras cartas de destino, ou segue indiferente por trilhos que outros abandonaram: perigosos por vezes, carregados de sombras e de  mitos, sabendo no entanto que os mitos são o que são, projecções que só cada um saberá entender. O poeta é e será sempre, mesmo ao comunicar o seu verso, um Ente solitário.
Andrei, que é médico, exerce a sua profissão numa Rússia problemática, alarga o verso ao espaço da comunidade e às feridas que cose. Encontrei-o no Facebook, que parece, neste mês de Julho, o espaço dos encontros para mim mais felizes.
Foi também por aqui que nos encontrámos, Leonardo e eu,via Facebook,  por muito que não se goste: porque o FB, se proporciona inusitados encontros, também revela frequentemente a vacuidade das horas e do tempo (leia-se das cabeças !).
Mas neste caso o encontro, bafejado pelas estrelas ? Foi o melhor que me podia suceder. Eu ia reler Machado de Assis, Dom Casmurro, essa obra-prima, um clássico dos clássicos, pensando que não teria, nas férias, autores que me agradassem.
E eis que finalmente chega, pelo correio, o volume das Tempestardes...
Amo a poesia e amo todos os poetas que escrevem, como se fosse respiração natural, a sua poesia.
Porque no poema se desvendam almas e destinos - o destino poético é de todos os caminhos o maior...e as almas precisam dele.
Rosne Carneiro, poeta, alumia as palavras iniciais, que deseja iniciáticas. E Ana Maria, que já referi, enquadra o bom caminho.

Entrando pelas palavras dentro, e sabendo-se que Leonardo é tarólogo, fui visitar o seu blog Café -Tarot, e estudou literatura, e entre outros  que cita vemos um G.Bachelard,  a par de uma peça de Versace - e outros exemplos do género, concluímos que o olhar deste poeta é abrangente, que tudo o que rodeia é ou pode ser momento ou fonte de inspiração: Andrei cose feridas, Leonardo entretece destinos, do Verbo ou das mais humildes palavras.
Porque nele veremos que tudo é Um, como se diz na hermética Tábua de Esmeralda que certamente leu, ainda que em partes.
Na mágica fortaleza da Alhambra, a que se refere (p.23) não evoca o último Abencerragem, seu destino, mas segue e aligeira:
(o destino 
é uma menina

ou um monstro
ao dobrar da esquina)

destino caminha feito tigre
... 
Para concluir que o destino é poesia.
O seu vocabulário alimenta-se de todos os vocábulos, das ciências literárias às ciências naturais, à botânica,  ou pura e simplesmente brinca porque o som lhe pede que o faça, alargando o sentido:
vai pelos confins do texto
no sentido litoral da palavra
(p.33)

Somatórios de acaso (mas serão apenas de acaso, ou imagens recuperadas do fixo acordar do sonho, ou da carta tirada?):
contorna o atalho da palavra
de índole harpa
na rota clepsidra
semelhante ao regresso espelho

desvela o símbolo,
...
a anulação dos verbos, dos adjectivos, deixando flutuar a palavra, a harpa, a clepsidra, o espelho - no espaço azul do símbolo - remete para segredos mais íntimos. Terá de ser o leitor a decifrar.
Ou medita, ou repete, ou deixa de parte até novo momento, e aí, como no Éden antigo, descobrirá " os frutos assombrosos".
Podíamos seguir os títulos: Sísifo, por ex.(p.35).
Abre com um "infinito" e segue por um encadeado de rimas internas, todas em i, que apanham o leitor desprevenido, pois de tal alusão ao mito de um Sísifo de cruel castigo se esperaria, quem sabe algum sabor mais trágico...pois não, e habituem-se...o poeta despe os seus mitos, como despe as suas palavras, os seus versos, até ao acaso, ocaso da linguagem!
Estamos perante uma obra em que se
desconfigura
a órbita dos mandalas
a palavra é vertical...
(p.110)
E o verso pode ser ainda mais, ser animal, como quando nos lança em desafio a utilização do verbo "panterar".
Caeiro gostava de pastorear o seu rebanho, o seu rebanho eram as suas ideias; ideia de árvore, mais do que o sentimento do que esta ou aquela árvore despertasse nele. Já Leonardo Chioda anda a "panterar", com os seus versos, todos os seus sentimentos, todas as suas sensações, de cada momento.
Não abstrai, concretiza, funde, devora...é outra modernidade a sua...
Termino, não sem antes sugerir que se leia, já no fim, SOBRE A ESPERA (Llansol revisitada), na página 130.
Não cabe aludir a tudo, num post. Mas cabe uma alusão, que alimentará estas e outras ilusões de que a poesia pode ainda salvar o nosso mundo.







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