Friday, November 27, 2009

Unsuk Chin



Para quem goste de música contemporânea, mas sobretudo para quem tenha feito de Alice no País das Maravilhas o seu livro de culto, deixo a sugestão da mais bela prenda de Natal:
da compositora coreana Unsuk Chin, actualmente vivendo na Alemanha ( em que outro país fariam uma produção tão inspirada como esta? ) a ópera ALICE in WONDERLAND, apresentada na Bayerische Staatsoper.
O design dos figurinos, das máscaras, das marionettes, é tão belo quanto surpreendente e valoriza a história que é contada, a música que é ouvida, absorvendo-nos como num sonho de que não nunca mais apetece acordar.
Unsuk Chin, que escolhe livremente os motivos dentro do tema principal, decide abrir e fechar a sua composição com dois sonhos seus que enquadram a aventura de Alice, e deste modo a tornam ainda mais pessoal e interior do que já era pela mão de Lewis Carroll.
Uma citação de Proust ajuda também o ouvinte a perceber a intenção da compositora:
"We don't receive wisdom: we must discover it for ourselves after a journey that no one can take for us or spare us" (Marcel Proust).

E claro, a outra citação escolhida só podia ser a de Carroll na boca de Alice:
"Who in the world am I?
Ah, that's the great puzzle!"

Assim, de novo pela mão de Alice, caminhamos pela interrogação da consciência e do ser.
No meu ensaio sobre TEATRO E SOCIEDADE fiz referência à Alice de Bob Wilson, produção estreada em Lisboa anos atrás; agora temos Unsuk Chin, que podemos apreciar em dvd, e em breve teremos a ALICE de Tim Burton, que vai estrear em 2010 e podemos desde já encomendar.
Mas a lição que eu tiro é a do que pode um livro inspirador e fundador como este - muito mais para adultos do que para crianças - oferecer de novo à meditação dos seus leitores do século XXI.
A resposta é simples: tudo.
Tudo o que diga respeito à curiosidade, do ser e do saber; à coragem de fugir à rotina dos tempos arriscando caminhos que não sabemos como se abrirão ou fecharão diante de nós.
Caminhar é uma palavra boa.
Arriscar, para se poder ser o que se é e não o que os outros querem que sejamos, é outra palavra boa.
Os tempos precisam de Beleza, e de coragem para essa beleza.
Ainda que a rainha nos mande cortar a cabeça.

Wednesday, November 11, 2009

A Mão de Luísa Costa Gomes


Luísa Costa Gomes, com aquela criatividade feita de desprendimento (ou o que quiserem..) que já lhe conhecemos desde os primeiros contos com que nos sobressaltou, há muitos anos, apresenta agora ILUSÃO
( ou o que quiserem) romance (ou o que quiserem), nas edições D.Quixote.
Numa prosa rápida, como os tempos, incisiva de humor inteligente e distanciado, Luísa sabe muito bem o que quer: descrever uma sociedade onde impera uma inquietação que oscila entre o pueril e o golpismo, uma sociedade onde tudo e todos são de consumo rápido, e rapidamente descartáveis, o que pode acarretar alguma infelicidade.
ILUSÃO não é título de acaso, é indicação de leitura: vive-se em Portugal num espaço de ilusão, atravessado por um tempo que a seu tempo imporá a realidade, seja doce ou amarga.
Recomendo a leitura, podemos rever-nos mais uma vez nesta obra em que uma geração muito diferente da nossa (digo da minha) é exposta com subtil crueldade, (ou o que quiserem) fazendo esboçar o sorriso de quem se sente cúmplice desta autora que renovou e continua, pelos vistos, a renovar a linguagem com que descreve o mundo que a rodeia.
Não falta energia nesta prosa, nem alegria, e ainda menos cultura: por entre as peripécias vão passando algumas memórias da nossa literatura, a propósito de alguma peça de teatro, de algum guião a ser preparado, etc. o que me leva a repetir o que me farto de dizer nas aulas: sem cultura (neste caso artística, literária) não há criação original inovadora. E também só com muita cultura se pode brincar à vontade com o que a cultura é ou não é, atravessando a vida, a nossa e a dos outros (ou o que quiserem)...
Lê-se, e chegados ao fim sentimos, como o herói conturbado, que se "subiu um degrau".
Mais não digo, é obra para ler!