Sunday, October 29, 2006

AGIR, JE VIENS



De novo e sempre Michaux, o da voz inesgotável :
"Il faut d'abord que surgisse mon démon afin qu'apparaisse mon ange"

Agir, Je viens

Poussant la porte en toi, je suis entré
Agir, je viens
Je suis là
Je te soutiens
Tu n'es plus à l'abandon
Tu n'es plus en difficulté
Tes difficultés tombent comme des ficelles déliées
Le cauchemar d'òu tu revins hagarde n'est plus
Je t'épaule
Tu poses avec moi le pied sur le premier degré de l'escalier
sans fin qui te porte
et te monte
et te calme
Jusqu'aux confins de tes horizons
Jusqu'aux confins de ta mémoire obscure
Jusqu'au coeur de l'enfant de tes rêves
poussant des nappes d'aise
j'afflue.

....

J'ai lavé le visage de ton avenir.

Saturday, October 21, 2006

El Abencerraje de Toledo,1561



A edição crítica de Francisco Lopez Estrada, reeditada na década de oitenta, ainda hoje é uma leitura que não tem substituição.
A história do Abencerraje e da bela Jarifa está impressa num livro de data desconhecida, que surge encadernado juntamente com a DIANA, novela publicada em Cuenca em 1561 e constante da biblioteca dos Duques de Medinaceli.
Apesar de se encontrar junto da obra de Jorge de Montemayor os estudiosos não pensam que a lenda do Abencerraje seja da autoria do português.
A versão manuscrita da lenda está na Biblioteca Nacional de Madrid e não parece ser datada de outro século que não este XVI.
A ediçao de 1561, de Toledo, conta a história do mouro Abindarraez e da bela Xarifa, e do alcaide de Alora e Antequera, Rodrigo de Narvaez .
Estamos perante uma narrativa cavalheiresca, de amor e generosa nobreza de alma.
Eis como é descrito o mouro, de nobre e sedutora aparencia:
"...delante hasta poco vieron venir por el camino donde ellos ivan un gentil moro en un cavallo ruano; el moro era grande, y parecia bien a cavallo, y traía vestida una marlota de carmesí y un albornoz de damasco de la mesma color, todo bordado de hilo de oro y plata. En la cinta traía una hermosa cymitarra, y traía una adarga grande, y el braço derecho arremangado, y en la mano, una hermosa y larga lança de dos hierros, y en su cabeça, una rica toca tunesi, que dando muchas bueltas por ella le servía de hermosura y defensa a su persona, con muchos rapazejos de oro colgando y muchas perlas muy gruessas, de que muy ermoso se devisava.En este hábito venía el moro mostrando muy gentil continente, y cantava un cantar que conpuso en la dulce remembrança de sus amores, que dezia:

Nascido en Granada
de una linda mora
criado en Cártama
enamorado en Coín
frontero de Álora ."

A elegancia do jovem mouro torna-o naturalmente agradável aos olhos de quem o veja, e isso mesmo aconteceu com os cavaleiros que lhe saíram ao encalço. Apreciando o seu porte, e o seu canto enamorado, não lhe fizeram mal.
O interessante, para mim, quer o texto seja de autoria portuguesa quer não, é ver nele um respeito amistoso por um representante de uma outra cultura, ela mesma respeitada na sua natureza.
O amor apaga diferenças, mas mesmo na disputa guerreira houve, na descrição do texto, o apagamento completo de razões que não fossem do código cavalheiresco entre iguais.
Como seria interessante ver a Menina e Moça apaixonar-se por este Abindarraez...Mas ele já tem o coração preso pela bela Xarifa e é dos seus amores que esta lenda trata...

Monday, October 16, 2006

Princesa Shikishi


Aos leitores que como eu se deixam seduzir pela poesia japonesa ( Haiku, ou Tanka, ou Renga, conforme) recomendo a leitura da suave e melancólica princesa SHIKISHI ( c.1150-1201 ).
Há uma bela edição bilingue, preparada por Hiroaki Sato que traduziu os poemas para inglês.
Pouco se sabe da sua vida, que decorreu retirada do mundo, mas a sua poesia foi incluída em quinze das vinte e uma antologias imperiais, onde estão seleccionados 155 dos seus poemas.
Duas marcas distinguem a obra de Shikishi: a devoção religiosa ( foi durante dez anos sacerdotisa imperial ) e uma inultrapassável saudade, lembrando a da Menina e Moça, ou a das Cantigas de Amigo, de um amor longínquo e inacessível.
Mesmo através da versão inglesa podemos sentir o ritmo de uma comoção que se exprime por imagens suaves, mas não menos poderosas:

"Rosário de contas, se tendes de vos romper, rompei-vos;
se tendes de durar, a minha resistencia enfraquecerá."

" Vi apenas a sua sombra no Rio das Abluções,
mas ele não tem coração e eu sofro com a minha dor."

Ou leia-se ainda este, de inspiração budista:
" Quando olho à minha volta, no silencio que antecede a aurora,
a noite ainda é escura, perturbada por sonhos."

Concluindo, a sua obra é tida pelos críticos como a de uma autora que representa o ideal poético do seu tempo : uma voz que não se manifesta apenas nas palavras, um sentimento que não adquire forma, uma sensibilidade que oculta mais do que revela e por isso nos toca mais profundamente.

Outonais


( in memoriam Constança Capdeville )


1.
Névoa no cabeço do monte.
A folhagem de Outono cobre o chão.

2.
Chuva nas vidraças.
A maré sobe nas pedras do rio Tejo.

3.
Acabou o Verão.
Mudou o canto dos pássaros.

4.
Rupturas no Outono.
Lágrimas caindo com a chuva.

5.
Ao sol poente romãs abertas.
Cintilam as estrelas.

6.
Outono. A noite dissolvida na bruma.
A lua brilhando alto.

7.
Nuvens rosa no horizonte tranquilo.
Despertam as gaivotas.

8.
Pingos de chuva. Lágrimas no lago
dos peixes prateados.

9.
Caem no lago as folhas amarelas.
Foge um peixe assustado.

10.
Folhas orvalhadas aguardam em suspenso
auroras de Dezembro.

11.
Melancolia do mundo
sem princípio e sem fim.

12.
Nas ondas bravas do mar
morrem os brancos amores.

13.
Como dizer que a palavra tem peso
que a palavra tem luz
que a palavra tem dor.

Wednesday, October 04, 2006

Orfeu com a sua lira



Para os melómanos, de novo Gluck, com mais uma belíssima encenação de Robert Wilson.Para os leitores de poesia, os poemas de Orfeu tal como os encontramos nos mistérios da Grécia antiga :

Noite, é a ti que o meu canto celebra
Mãe dos deuses e dos homens.
A noite é a origem de todos os seres...

O hino à noite merece ser lido comparando depois com ele o célebre poema de Álvaro de Campos:

Vem, Noite, antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio.Noite
Com as estrelas lantejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faz da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
....

Alceste


A ópera de Gluck, encenada por Robert Wilson.

O amor sublime
essa pedra que rola
esse rosto embrulhado
num véu negro
de sombra.