Thursday, May 11, 2006

Joao Cabral de Melo Neto,Obra Completa, 1994


HOMENAGEM A PICASSO

O esquadro disfarça o eclipse
que os homens não querem ver.
Não há música aparntemente
nos violinos fechados.
Apenas os recortes dos jornais diários
acenam para mim como o juizo final.



A ANDRÉ MASSON

Com peixes e cavalos sonâmbulos
pintas a obscura metafísica
do limbo.

Cavalos e peixes guerreiros
fauna dentro da terra a nossos pés
crianças mortas que nos seguem
dos sonhos.

Formas primitivas fecham os olhos
escafandros ocultam luzes frias;
invisíveis na superfície pálpebras
não batem.

Friorentos corremos ao sol gelado
de teu país de mina onde guardas
o alimento a química o enxofre
da noite.


( in PEDRA DO SONO )


A MESA

O jornal dobrado
sobre a mesa simples;
a toalha limpa,
a louça branca

e fresca como o pão.

A laranja verde:
tua paisagem sempre,
teu ar livre, sol
de tuas praias; clara

e fresca como o pão.

A faca que aparou
teu lápis gasto;
teu primeiro livro
cuja capa é branca

e fresca como o pão.

E o verso nascido
de tua manhã viva,
de teu sonho extinto, ainda leve, quente

e fresco como o pão.

( in O ENGENHEIRO )

1 comment:

Yvette Centeno said...

Pedro, pode estar aqui escondida uma arte da Fuga? ou apenas , como na lírica trovadoresca a pura repetição que enfatiza o sentido ?