Friday, May 22, 2015

Anselm Kiefer


Anselm Kiefer e o vestido da Shekinah

Tem uma árvore no nome:
é um pinheiro que se ergue 
no alto da montanha,
lá onde se vê, ao longe,
um rio que ainda corre

Ele pinta as duas margens
que o tempo desuniu
com tempo e com vagar
e atribui um nome
a cada uma
à direita e à esquerda 
da ideia de Deus
(perdidas como estão
 Justiça e Misericórdia)

tanto ramo cortado...

O que procura ele
no seu entendimento
dum tempo que passou:
futuro verdadeiro
ou verdadeiro perdão?

Sunday, May 03, 2015

Mário, o Menino de Ouro

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

( nasce em Lisboa, em1890 - morre em Paris em1916)

Abrindo um dicionário de Literatura Portuguesa, como o que teve direcção de Jacinto Prado Coelho com colaboração de vários especialistas, encontramos traços da sua biografia que ajudam a compreender melhor a sua necessidade, logo quando jovem, de sair de Portugal e buscar inspiração poética noutro meio cultural: a França, em Paris, onde já vibrava a criação da pintura e da literatura Modernista, desde os primeiros Manifestos do Futurismo de Marinetti, de 1909.Era filho e neto de militares, estudou Direito em Coimbra, de1911 a 1912, desilude-se com o curso, e parte para Paris onde ainda tenta, sem sucesso e sem vontade, continuar os estudos.Vivia da mesada paternal que, quando lhe falta, o leva a escrever para os amigos portugueses a pedir dinheiro emprestado.Desses amigos - mas também eles pouco endinheirados, faziam parte Fernando Pessoa e outros.Destaco Fernando Pessoa porque durante os anos de exilio, e até ao seu suicídio, é com este poeta ( fundador, como ele, do projecto da Revista Orpheu) que Mário de Sá-Carneiro troca uma corrrespondência regular, de carácetr íntimo, onde revela projectos e anseios, sobretudo o de se tornar uma voz incontornável na revolução e renovação da criação literária portuguesa.Escreve ficção, teatro, poesia.Em França já imperava Rimbaud, e o seu simbolismo, Pessoa refere-lhe Camilo Pessanha, enquanto lia Walt Whitman, o Futurista Álvaro de Campos espreitava, e Mário, em Paris, entregava-se à pulsão de viver o imaginário desordenado, nihilista, que diremos de "boémio", como se diria na época.A leitura da correspondência revela a permanente inquietação, insatisfação, de sonhos nunca alcançados, nem na vida nem na obra.Dispersão é um poema que define bem o seu estado de alma, enquanto sem que talvez ele se apereceba por completo, instaura um novo estilo, precisamente o do Modernismo, em que o fragmento, o cruzar do real e do imaginário, na memória e na saudade  ora do passado ora até do presente, que se torna irreal, permite que ele se defina como o que há-de ser: um Menino, um "menino ideal".Por isso este poema, todo feito de contradição, oposição, movimento, como no cruzar dos futuristas de França, introduz bem o outro poema,
O Recreio, em que o próprio movimento para trás e para frente do baloiçoexprime hesitação, ausência da firmeza que evitaria, se existisse na alma do poeta o afundar de súbito no poço, imagem que surge logo na primeira estrofe, no terceiro verso...O poeta vê-se como "menino de bibe"  (que certamente, outrora, em casa usou, como era hábito), mas logo adiante a meninice se perde, descrita a criança como criança afogada, porque a corda (da vida) se partiu.Este não é um poema em que se descreva a experiência feliz de uma infância protegida.Esta criança está, no seu baloiço, suspensa sobre o escuro do abismo.E quando o poeta modificando o estilo, introduzindo um termo mais coloquial (a estopada) a maçada que seria trocar a corda, claramente expressa o que lhe vai na alma, percebemos que o seu cansaço de viver é maior do que o seu amor à vida, à própria vida..."mudar a corda era fácil...Tal ideia nunca tive..."


Lido a uma luz diferente, do que poderia ter sido um Puer Eternus, na definição de Marie-Louise von Franz, diremos, em conclusão que este poeta, por um lado tão inovador em parte da obra, não conseguiu, nem pela energia solar que conduz o puer eternus, eterno criador, interiorizar o arquétipo, fundindo-se com ele.Em vez disso, se formos ler outro poema semelhante, Caranguejola,o que se desecobre é, no desejo de ficar para sempre na cama, no quarto que não se abre a ninguém, bem enrolado em cobertores, um regresso quase "fetal" antecedendo a expulsão do nascimento, do parto que seria da Obra, como da Vida. O estilo em que se exprime já tem marcas do Álvaro de Campos ou mesmo do Pessoa que recusam o óbvio, o próprio, tudo o que seja herança de rotina, a voz torna-se até pretensamente banal, : ler é maçada, etc.etc.; mas há enorme diferença, porque enquanto Pessoa e cia, buscam aberturas para o caminho (mesmo para o oculto) Mário assustado hesita, foge, esconde-se.Pediu demais e teve o que queria? E foi com o excesso que afinal se perdeu? Algo de semelhante se verifica com Rimbaud, que tão cedo deixa de escrever.

Mas aqui entraríamos por muitas outras questões que não são de referir neste momento.