Thursday, February 26, 2009

Literatura Brasileira


Havendo agora uma especial atenção à literatura brasileira, sobretudo depois da obra de João Ubaldo Ribeiro ter ganho o Prémio Camões, evoco uma grande universitária especialista das nossas literaturas: Luciana Stegagno Picchio.
Com ela estudei melhor do que nunca a lírica medieval portuguesa, a história do nosso teatro,  a poesia brasileira com destaque especial para Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Vinicius, entre tantos outros. 
Com ela, depois da publicação deste pequeno grande livro, voltei a ler Clarice Lispector, que Luciana classifica de "escritora lunar". 
Em oito capítulos, abrangendo o tempo que decorre "Das Origens a 1945", temos um guia que nada perdeu da sua actualidade.
A prosa é clara, directa e prazenteira como é raro serem os livros de estudo.
Merecia o olhar atento dos editores e uma reedição.
 

Monday, February 09, 2009

Antonio Brasileiro


Henrique Chaudon, poeta amigo, deu-me a conhecer este poeta: Antonio Brasileiro. 
Da sua Antologia Poética escolhi alguns textos que podem ajudar a ver/ler o seu percurso e a sua evolução  no caminhar da escrita.
Esta antologia cobre os anos 1968-1996, talvez esteja na hora de ver outra, igualmente interessante e completa.
Acompanhamos mal, entre nós e por culpa nossa, o percurso dos poetas brasileiros. Já foi Henrique Chaudon quem antes me "apresentou" à poesia de Jayro, poeta tão camoniano e ao mesmo tempo tão moderno que a sua leitura me comoveu profundamente. Tem a nossa melancolia, e penso como é possível, a não ser porque a linguagem poética não tem fronteiras e a dimensão universal de um poeta se afirma em todo o lado, por uma cultura interiorizada pelo estudo, pela leitura, pelo saber, enfim, pelo gosto de ler e de escrever. 
Em Jayro, sem perda da originalidade própria, do seu cunho pessoalíssimo, reencontro Camões, e algo como que da melancolia do fado, que a voz de Amália espalhou por todo o mundo. 
E o mesmo me acontece agora, com a poesia não menos expressiva e bela, de Antonio Brasileiro.
Da selecção mais recente, 1988-1996, escolhi Cantar da Amiga, que nos traz tanto da nossa lírica medieval à memória:

Um pouco de mim está em teu olhar, amiga.
Bem sabes que é assim.
Gosto de pensar que sabes que é assim:
em teu olhar reflecte-se o que sou,
o que em mim te quer perdidamente.

Um pouco de mim é teu olhar, amiga.
É mesmo tudo assim, pouco sabemos
desses imensos rios em nosso peito.
Pouco sabemos, quase nada mesmo,
dos rios que escuros correm em nosso peito.

O discurso poético aborda discretamente o escuro da alma, "os escuros rios que correm em nosso peito". Não é preciso dizer mais, sobre a saudade, a inquietação que unirá sempre amigo e amiga, e que já Dom Dinis, na lírica da amigo nos fizera antever. 

Cálice
A vida não tem roteiros,
só velas que nos acenam
 do mar.

Escuta, amiga,
o desfiar das horas:
elas te dirão é tua
é tua a vida.

Toma-a (como se toma
 um cálice de rosas)
na mão.

Ah, esta elegância, as rosas na mão, como as rosas na fronte coroada de um Ricardo Reis, ou as rosas da Rilke, cuja picada, reza a história, o haveriam de matar. 
Em Soneto do Amor Profano encontramos então de verdade o eco de Camões, mas não é por isso que o poema é tão belo. A sua beleza provém de um eco mais profundo, da lucidez que se quer distanciada, do poeta:" eis que, perdidamente já pressinto/ e quanto e quanto- que em amor, perdidos / todos os lances, não há como obtê-lo / de outro modo que não por sacrifícios / e eis que este, pois, gratuita dádiva, / me chega às mãos de um modo tão profano,/ que quase certo estou de que, se o tenho, / já não o tenho por justo e dadivoso, / mas por amor que é fruto só de engano.../E não me engana um amor quando enganoso".
 
Continuando nesta viagem, Tudo o que Somos é a manifestação, ou o lamento, do pouco que somos, do "apenas":
....
Viver é um sonho,
não esqueçamos.

Viver é a sombra,
o assombro, o apenas.

/ tão frágeis somos !
Frágeis e imensos.

Sinto-me tocada tocada pelos ecos de Camões e Pessoa, considerando ser uma honra estas memórias que outros conservem da nossa tradição poética. Fazendo jus ao que o poeta nos diz, noutro poema: " Debruço-me sobre poemas/ para os engravidar de eus" (Sobre as Pedras do Caminho).
Caminhando ao contrário, como esta antologia foi organizada, vemos na década de sessenta a produção de uma poética surrealista, de que saliento o Estudo 91 :

Os deuses estão sentados e cochicham.
O olho verde da cadela dorme.
E vela.

(E chove; e um cogumelo
cresce sobre mim.)

Minha mãe, cadê minha égua?

(E meu cavalo era a égua
e o general se molhou na chuva imensa.)

Os deuses riem
e suas bundas fofas estremecem.
E o olho da cadela é verde como um sapo.

Eu penso logo nas minhas próprias leituras e paixões desse tempo, os felizes anos sessenta, carregados de esperança e ilusões:Boris Vian, Jacques Prévert, Chagall, Michaux, e tantos outros, para quem o livre imaginário da arte poderia ser a marca de uma liberdade maior, que chegaria.

Estudo 204
Vejo o vento que sopra nas árvores
e estou aqui.
Há uma sensação de paz antiga
no vento que sopra nas árvores.

(Vou plantar esperanças no quintal
e decidir o que farei com a vida -
com esta e com a outra.)

Estou aqui e o mundo está aqui.
Olho as folhas movendo-se nas árvores
e alguma coisa silenciando no coração.

Com António Brasileiro vamos aos clássicos, vamos aos modernos e aos modernistas...viajamos pelas palavras dentro, recuperando as nossas próprias memórias. Goethe, Caeiro, em poemas sobejamente conhecidos, e agora Antonio Brasileiro, conversando com eles enquanto conversa consigo mesmo, comnosco, e decide de sua vida: esta, magnífica, de poeta. Quanto à outra... os deuses de bundas fofas lhe perdoarão qualquer impertinência ! 






 

Wednesday, February 04, 2009

Lavar, a obra da Mulher



Do calendário da Moleiro editores, que reproduz um magnífico códice alquímico, eis o que no mês de Fevereiro nos é aconselhado: trabalhar, lavando a matéria da obra, limpeza que conduzirá do negro ao branco e ao vermelho. 
A lavagem, além da utilização do elemento água, um dos quatro das operações alquímicas, permitindo a solutio, a dissolução (sendo que solve et coagula é o lema dos alquimistas), liga ainda a mulher, o elemento feminino, ao processo que acabará por unir feminino e masculino, água e fogo, ou mercúrio e enxofre, no caminho da sublimação.