Friday, April 21, 2006

Fernando Pessoa, Eros e Psique


Neste poema de Pessoa encontramos o trabalho do mito tal como ele o descobriu em Apuleio, cuja obra possuía.
Coloca-lhe uma epígrafe iniciática, maçónica, que também ela resume a "lição" do mito : união de opostos.
"...E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade."
(DO RITUAL DO GRAU DE MESTRE DA ORDEM TEMPLÁRIA DE PORTUGAL)

"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
Do além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E,inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão , e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."


De grande interesse para a erótica simbólica tanto de Pessoa como de SÁ-CARNEIRO seu amigo, discípulo que assim o desejava ser, e fundador com ele de uma estética pré-modernista, é agora o estudo publicado por FÁTIMA INÁCIO GOMES, na colecção "Temas Portugueses" da I.N.C.M., com apresentação de Urbano Tavares Rodrigues.
Na realidade, ser um dos rostos múltiplos do tempo, de si próprio ou do próprio Pessoa foi sem dúvida uma das fantasias do jovem Sá-Carneiro.Vivendo e sofrendo pulsões contraditórias, que não saberá nunca como ultrapassar, escapará à impotência perante a vida através de um suicídio tão doloroso quanto ela: com frascos de estricnina que engole uns a seguir aos outros.
Para este poeta, como bem diz Fátima Gomes no último capítulo do seu livro, a mulher da "carne inexistente" é aquela que não o assustará com a sua sexualidade, que se fará pequena e neutra a seu lado, bem à maneira de como Pessoa a desenhou, quer pela voz de Ricardo Reis, quer pela aproximação e afastamento de Ophelinha, algo que vinha já dos seus tempo de Alexander Search.
Fátima Gomes conclui que esta imagem do feminino contém a saudade da Ama, "humilde e carinhosa" : "ter amas a vida inteira..." (in Elegia).
Citando, para terminar :
"Esta mulher seria a amante perfeita, a noiva idealizada que acompanharia qual Aurora ou Sophia alquímica , a ascensão do herói solar:
...
Teus beijos,queria-os de tule,
Transparecendo de carmim-
Os teus espasmos de seda...

Água fria e clara numa noite azul,
Água,devia ser o teu amor por mim..
(A Inigualável) "

Mas há aqui todo um crescimento que se perde. Na alquimia a própria Água é quente, tem o bafo da Vida, que é espírito e matéria. Sá-Carneiro morreu impreparado e jovem, eternamente adolescente como os tempos o guardarão na memória.

Ver : Fátima Inácio Gomes, O IMAGINÁRIO SEXUAL NA OBRA DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO, Lisboa, 2006

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