Saturday, June 24, 2006
HERBERTO HELDER, FLASH
FLASH, de 1980, foi dedicado ao pintor Cruzeiro Seixas.
Também aqui leremos como se escreve a carne da palavra, como a sua energia animal e mental vai transformando, num relâmpago mágico, aquele que ousa sonhá-las, desejá-las, desenhá-las.
Comparado, se houvesse comparação, a Julián Rios, Herberto Helder poderia ser descrito como poeta CENTRADO, e Julián como excêntrico, centrífugo, em expansão, como o universo, ao passo que Herberto implode com a própria criação que nele se origina.
Assim, ler Herberto obriga a um esforço mais atento, mais dirigido, não permite distracção, absorve por completo o seu leitor, que só pensa mesmo em deixar-se encantar no seu incantamento.
Viktor Kalinke disse, num seu recente ensaio de história das religiões, que nós somos a carne de Deus: GOTTES FLEISCH.
Assim é o poema de Herberto, carne de Deus, carne do Sopro que foi o do Verbo primordial.
" Que tenha Deus um sonho em carne viva.
Uma noite que trema pelo poder astronómico.
Mas que me poupe assim concêntrico
ao campo, e divagante, a curva
tensa:
o arco, o braço.
E as cispas súbitas, frechas
tão ferozmente pela carne dentro até ao escuro
do próprio astro, deixando um orifício
fulgurante:
um tubo de som,
sopro de ponta a ponta
- aquela baixa música mortal.Vêm os animais, alvorecendo, os cornos a rasgarem a cabeça:
outra espécie de luxo,
de melancolia.
E o corpo é uma harpa de repente.
Animal de Deus, eu.
Uma ferida."
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