SOLITUDE, poema do último livro de Donizete Galvão,MUNDO MUDO ( São Paulo,2003), em que através de composições de experimentalismo por vezes erudito, sem contudo agredir, exprime o que mais dói na condição humana: a indiferença que se instala no lugar da paixão, do amor, ou mesmo da mais simples amizade.
SOLITUDE
Juntos, em solitude.
Cada qual com sua chaga.
Cada qual com sua cruz.
Dois corpos antes tão próximos,
separados pela geografia
que a mágoa desenha.
Entre os braços,
interpõem-se
desertos,salinas e dunas.
O amor morreu?
Não. Condensou-se.
Soterrou-se em veios
de duro e negro minério.
Duas árvores cujas raízes
trançaram-se rumo ao fundo.
Que frutos falhos e ásperos
nessas mãos antes tão íntimas,
que, mesmo durante o sono,
permanecem bem fechadas.
5 comments:
Como bem entendo o seu amigo, cara Prof.,
"Em uma época em que todo mundo precisa ser bonito, rico, saudável e feliz e tudo deve ser leve e divertido, que interesse pode despertar o espelho perverso do poeta? Quem quer se ver como uma retorcida figura saída de um quadro de Francis Bacon? Com a linguagem contaminada pela publicidade, pelo entretenimento barato e pela psicologia de auto-ajuda, a tentativa de devolver vigor, intensidade e frescor à língua soa hermética e gera mal-estar.
A poesia, além de inútil, é também indesejada.
O poeta, entretanto, insiste em escrever seus poemas. Não lhe resta outra alternativa. Poderia buscar o suicídio, a santidade, o vício: estas "outras tantas formas da falta de talento" de que falou Cioran. Está preso a uma obsessão nunca sublimada. Quer, através da língua, assegurar a permanência enquanto tudo se desfaz. Pouco importam os mecanismos que o movem: exibicionismo, narcisismo, paranóia, depressão. Usa de artifícios, filtra e depura para transformar o desprezo, a humilhação e a decomposição do corpo e da mente em matéria poética. Pois, como disse Borges,"meus instrumentos de trabalho são a humilhação e a angústia". Entre tantos indiferentes deve haver uns poucos que, como na brilhante defesa da poesia feita por Octavio Paz, terão ouvidos para essa outra voz."
"Um poeta em pânico"
Donizete Galvão http://www.revista.agulha.nom.br/dg01.html
PS. Entre a maior parte das pessoas existe apenas um vazio, mas com outras existe certamente um fio de prata! Como sou mais novo e irreverente permita-me ainda que acredite ainda na inteligência e na sensibilidade humana.
O T. Adorno dizia que toda a poesia tinha acabado depois do Holocausto...tinha a suas razões, mas também as tinham aqueles que como a Yvette ousaram continuar!
PSS: Adorei as críticas do Gaspar Simões sobre a sua escrita (incluidas en passant nos "Jardins de Eva.")
Que pena não saber que se pode sonhar numa língua e...rescrever as palavras, que coisas!
Aquele Abraço
Fokas amigo, para escapar do sofrimento bolonhês acabei de traduzir um poema do Erich Fried, AO RELER UM POEMA DE PAUL CELAN, a que ele acrescenta em epígrafe (ainda há cantos a entoar para além dos homens).
Haverá sempre cantos , ainda que algumas gargantas possam perder a voz.
O poema é um pouco longo, mas aqui vai, para si e para o Donizete:
Ao ler/ desde que morreste/ os versos plenos/ entrelaçados/ na sua claridade/ bebendo as imagens amargas /que me ferem/ tão dolorosas como outrora/ pelo erro terrível / que louvaram na tua poesia/ e se propaga/ convidando ao Nada.
Canções/ certamente também para lá / da nossa morte/ canções do futuro/ para lá do não-tempo em que/ todos fomos tecidos/ um canto para além/ do pensável.
Mas não uma só canção/para além dos homens .
Voltei a ler de novo o poema do Erich Fried.
É um poema triste de alguém que aparentemente lamenta o ser sido sobrevivente de um amigo que já não existe.( Era para o Celan?)
"...Das Wiedersehen
von Toten
ist dann
ganz einfach."
A minha ignorância é provavelmente um crime majeur. O último poeta francês que li foi o Breton, o Éluard e o Aragon e ultimamente por puro acaso... o Aimé Cesaire.
"...Mas não uma só canção/para além dos homens."
Gosto desta consciência das palavras, do cuidado de parar no momento preciso.
O acto de escrever não é indissociável da nossa ética... n'est ce pas, chère Prof.?
Fokas amigo, a essa lista eu só acrescentaria o Henri MIchaux, pintor e poeta, com um trabalho da linguagem a que talvez só o nosso Herberto Helder se possa comparar. Eu conheci o Michaux em Paris, personagem fascinante, foi ele que me encaminhou para o então Mestre das coisas herméticas e alquímicas.
Não me atrevi ainda a traduzi-lo, pois sinto que muito se perderia com a minha traduçao. O MIchaux foi um ser de águas profundas,na vida como na obra.
Eu ainda estou muito à superfície.
Li uma citação de Erich Fried: "Um cão que morre e que sabe que morre como um cão e que pode dizer que morre como um cão; eis aí um ser humano". Pergunto: Alguém teria o poema completo para me fornecer, através do e-mail rfernandes@ube.org.br?
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