Tuesday, March 14, 2006
Magritte a caminhar...
O poder do sono e do sonho é algo de bem conhecido e trabalhado pelos poetas e pintores surrealistas e metafísicos. Magritte é dos que tem mais sedução e magia, entre os vários do seu tempo. Alia ao prazer das práticas de surpresa dos cadavres-exquis uma subtil ironia, que se traduz nos títulos que atribui aos quadros, de parceria com os amigos, à mesa do café ou no espaço do atelier e onde a "desadequação" fazia parte do programa e da doutrina. Não se queria a lógica mas a contradição de que emanava uma espécie de liberdade, um espaço onde se podia ser verdadeiramente criador.
A lógica da contradição, por vezes cruel, pode ser descoberta em Bosch, como em Magritte, apesar dos séculos que os separam.Em ambos se adivinha a presença da linguagem alquímica, que Breton teorizou e defendeu como própria dos artistas, poetas ou pintores.De facto todos , quanto mais não fosse pelo convívio regular , iam bebendo dessa fonte e muitas vezes se inspiravam uns nos outros, pelos temas e pelos títulos. De algum modo o que ali acontecia era já a discussão da linguagem , da representação e da comunicação.
Magritte acreditava nos mecanismos do automatismo criador do inconsciente e da sua linguagem, poética ou pictórica.Nos ÉCRITS COMPLETS DE RENÉ MAGRITTE, André Blavier sustenta que embora o artista negasse praticar o cadavre-exquis é possível encontrar marcas desse exercício preconizado por Breton nas suas obras( Blavier,1981).
Magritte gostava de dizer " eu crio o desconhecido com coisas conhecidas": assim a escolha de objectos, como o célebre cachimbo cujo título é "ceci n'est pas une pipe, isto não é um cachimbo" e outros de um quotidiano que deixa de ser banal por ser representação , muitas vezes simbólica (metafísica) e de forte carga onírica. A sua mão segue um impulso que o leva para os grandes arquétipos fundadores que se encontram noutros Mestres e em muitos tratados antigos: só como exemplo, a Pedra, em bruto ou polida, pousada ou elevando-se no ar, a Esfera, o Ovo, o Carvalho, os Rostos tapados dos Amantes, os Corpos mixtos de matéria animal e vegetal, etc.
Diz o pintor, reflectindo sobre a evolução da sua obra:" encontrei uma possibilidade nova para as coisas, é a de se converterem gradualmente noutra coisa, um objecto funde-se num outro objecto...por exemplo o céu em certos sítios deixa aparecer madeira." (Taschen,p.51)
Assim se faz o caminho de Magritte, cuja definição de Surrealismo é muito importante pelo que tem de afirmação do processo imaginário alquímico :
"O Surrealismo é o momento em que já não há contraste algum entre o alto e o baixo, entre o branco e o negro" (LA LIGNE DE VIE, 1955) .
Aqui temos a definição do mysterium coniunctionis , que Jung estudou em três volumes, tal a quantidade de matéria passível de investigar.Resumo dizendo que se trata da União dos Opostos, procurada em todos os tratados alquímicos, orientais ou ocidentais. No fundo toda a Arte vem de longe, do longe da memória dos tempos,do longe da memória dos desejos da alma.
O quadro que tem por título Le Modèle Rouge (1935)representa dois pés- sapatos, ou botas , com atacadores, prontos a ser calçados...para o caminho.
Termino com a legenda de Michael Maier, na ATALANTA FUGIENS , para a gravura XXVII: aquele que tenta entrar sem chave no Roseiral dos Filósofos é como um homem que queira andar sem pés". Ora os pés aqui já não faltam.
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