Entrámos em Agosto, já
Setembro, um Outono quente e húmido.
Ando há muito tempo com a
ideia de falar daquele encontro no Parque Eduardo VII onde se iam fechar as
festas de Lisboa. Nós tínhamos convite para as filas da frente, porque iam
tocar os nossos filhos, acompanhando um grande músico brasileiro, que eles
conheciam bem, e era o convidado de honra.
O Bernardo tinha sido operado
há muito pouco tempo, e íamos os dois, sem empurrões, caminhando na fila para
os nosso lugares.
Foi então que me cruzei com
um dos meus antigos editores, que não via há tempos, a saudação foi rápida, era
hora do concerto, mas o que vi então me deixou até hoje com o que descobri ser
da parte dele a revelação – por um breve gesto que fez – de um amor grande e
terno. Ia à nossa frente com uma jovem mulher, de aspecto frágil, cujo rosto
não vi, mas que ele carinhosamente, com muito cuidado, aconhegou da humidade da
noite, puxando-lhe sobre os ombros um casaquinho de malha. Ou seria um
xailinho?
Ele visivelmente cuidando do
seu amor. Ela visivelemente deixando-se ser cuidada.
Seguiram para os seus
lugares, no fim do concerto já não nos voltámos a encontrar.
Ainda hoje, já passaram mais
de dez anos, revejo a cena tão comovente e tão reveladora.
Como num gesto tão simples se
pode esconder tanto amor.
Hoje são um casal, andam
juntos por todo o lado, põem as suas fotos no facebook, a ele conheci muito
bem, porque foi meu editor, a ela não conheço pessoalmente, conheço os seus
poemas, alguns deles carregados da sombra que é a marca do fado, e muitos deles
têm sido cantados por isso mesmo.
Hoje colocou no facebook, que
se tem transformado em espelho de alma de alguns, um poema em que ao falar de
antigo sofrimento, de todas as maneiras – termina dizendo, pode não parecer,
mas é um poema de amor. Eu sei a quem, vi-os, naquela noite, ali começou
ternamente a química que os salvava, a ele da solidão e a ela, quem sabe, da morte
ao mesmo tempo temida e desejada.
Há um Anjo que protege os
amantes na hora do amor. Rilke sabia.
Ocorre-me que tudo no amor é química, e por isso de repente surge uma fusão tão intensa, que se torna irrecusável. Durará para sempre ? Não podemos saber, mas não importa, a força está na magia do instante. Essa é a magia irrecusável, a suave atracção que unirá dois seres. Quantas vezes na vida poderá acontecer? Também não saberemos. Importante é o momento, a entrega subtil, feita em silêncio e tão alquímica que de dois faz um só, num tempo que se tornou perfeito. O que se perdeu regressa, transformado. Os poemas são os anéis da alma, ouro fundido em que todos os nomes se renovam: outrora cinzas, agora estrelas.
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